O corrente ano marca o aniversário de 45 anos da reforma e abertura da China, o início de um processo que alterou para sempre a geoeconomia mundial, impulsionando como nunca os fluxos econômicos internacionais, acelerando a mudança na ordem global vigente desde a Segunda Guerra Mundial e promovendo as bases para uma cooperação inclusiva entre os países emergentes e em desenvolvimento. A partir de 1978, o Partido Comunista da China (PCCh), sob a liderança de Deng Xiaoping, concentrou-se na modernização das relações de produção na agricultura, na atração de investimento estrangeiro (IED), no acesso à tecnologia avançada e no incentivo ao empreendedorismo e à capacidade de trabalho do povo chinês.
Um ícone do processo exitoso da abertura chinesa foi a criação das chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) cujo primeiro experimento foi em Shenzhen, na província de Guangdong (Cantão). Da condição de uma modesta vila de pescadores, em 1979, a pequena cidade se converteu numa grande metrópole e polo industrial, de serviços e finanças, com quase 18 milhões de habitantes e um PIB per capita superior a US$ 27.000. Em 2017, o desenvolvimento econômico em Guangdong alcançou um novo patamar com o lançamento da iniciativa Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, na região conhecida como Delta do Rio das Pérolas, uma espécie de Vale do Silício da China, que compreende as nove grandes cidades da Província, juntamente com as regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau.
Quando a China começou o seu processo de abertura no final dos anos setenta, os pacotes de reformas desenhados por organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, eram moldados pelo neoliberalismo do chamado “Consenso de Washington”, um receituário conservador que promovia a liberalização comercial acelerada, a desregulamentação da economia e a privatização em grande escala. Diversos países que adotaram esse receituário, inclusive no antigo bloco soviético, tiveram resultados muitas vezes desastrosos, uma vez que tais “reformas” beneficiaram, sobretudo, os investidores estrangeiros, as elites nacionais e segmentos restritos da classe média, gerando mais desigualdades de renda e aumento das tensões sociais. Esse não foi o caminho seguido pelos chineses, que buscaram, ao contrário, avanços graduais e duradouros e uma inserção internacional assentada num projeto de desenvolvimento do país, com soberania e atento aos interesses nacionais.
Após o restabelecimento da soberania da China pelo líder Mao Zedong, Deng Xiaoping e os seus reformadores liberaram o enorme potencial de crescimento reprimido do país, gerando um verdadeiro “milagre econômico” chinês. À medida que o PCCh e o ex-presidente Jiang Zemin desenvolviam ainda mais o “socialismo com características chinesas” – através da aplicação do seu importante pensamento da “tríplice representatividade”, uma visão mais ampla das forças produtivas avançadas – o governo lançou uma campanha contra a corrupção nos anos noventa. Tudo isso abriu o caminho para uma década de crescimento de dois dígitos, liderado pelas exportações. A adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 ajudou na abertura de mercados para os produtos e empresas chinesas, o que em pouco tempo tornou a China o maior exportador mundial, suplantando os EUA. Em meio a isso, avançou o desenvolvimento econômico e social da China e sua ascensão pacífica.
Estes avanços contínuos prepararam a mudança para processos de pós-industrialização, com ênfase nas tecnologias digitais, que se aceleraram sob a liderança atual do presidente Xi Jinping. Após se tornar uma economia industrializada, o país passa por uma transição no seu modelo econômico na direção de fortalecimento de seu mercado interno e menor dependência da demanda externa e dos investimentos em infraestrutura. Com isso, o ritmo de crescimento da China está se desacelerando em relação ao seu alto desempenho das duas últimas décadas, mas também sob a influência adversa de protecionismos de outros países e de perturbações geopolíticas em curso.
De todo modo, a desaceleração chinesa segue a norma inerente a toda economia que atinge a condição de país industrializado. Mas mesmo com a desaceleração na taxa de crescimento, os rendimentos per capita dos chineses continuam a aumentar, o que só reforça a estabilidade de sua economia num contexto global de perda de dinamismo das grandes economias. Portanto, tudo indica que a China continuará a promover a inovação para impulsionar a recuperação econômica mundial, a buscar a cooperação por meio de mais abertura e a oferecer oportunidades de mercado e investimento ao resto do mundo.
Após 45 anos de abertura para o mundo, a China continua a se expandir a taxas razoáveis, mas se ajusta a um ritmo de crescimento mais lento e na busca de mais qualidade. Mas mesmo assim, continua a ser um ator fundamental e imprescindível no cenário econômico e na governança global. É a segunda maior economia do mundo, o maior exportador e importador entre todos os países, grande provedor de ajuda externa e de investimentos externos e o maior país entre os mercados emergentes. A China funciona como um elemento de estabilidade em meio a uma economia mundial sujeita a solavancos e conflitos geopolíticos de toda ordem. É do interesse geral que alguns importantes parceiros comerciais da China reduzam práticas protecionistas e deixem de criar entraves a empresas chinesas em negócios mutuamente vantajosos com empresas desses mesmos países.
O mundo do século XXI, com tantos problemas complexos e variados – como mudanças climáticas, persistente pobreza, conflitos militares, riscos tecnológicos, desastres naturais e proliferação de novas doenças – precisa mais do que nunca de uma abordagem mais construtiva nas relações internacionais e no reforço da cooperação para enfrentar os desafios comuns. Após uma série de desencontros, a reaproximação recente entre a China e os EUA no encontro de Cúpula da APEC, em novembro deste ano, aponta para o desanuviamento das tensões e abre caminhos para o diálogo franco e responsável entre ambos os países, a bem da prosperidade compartilhada e da paz global.
Por José Nelson Bessa Maia, economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina