A cimeira UE-China, uma oportunidade para reconstruir a paz e a cooperação na Eurásia

O presidente chinês, Xi Jinping, se reuniu no dia 7 de dezembro em Beijing com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, num encontro que deverá traçar novas perspetivas para as relações entre a UE e a China.

Que espera a China dessa reunião? Quer se trate de resolver os problemas que a Europa enfrenta ou de encarar os desafios globais, a China é um parceiro fiável e indispensável para a UE e parte integrante de uma vasta aliança pela paz e o futuro comum da Humanidade. A resolução adequada dos diferendos através do diálogo e da consulta tem beneficiado as relações China-UE ao longo dos anos e é o propósito desta cimeira.

A China está disposta a intensificar o diálogo e a cooperação em matéria de direitos humanos através da construção de uma nova arquitetura mundial da paz, o pilar essencial da Declaração Universal dos Direitos Humanos, através da Iniciativa de Segurança Global e do Princípio da Segurança Indivisível, recentemente aplicados nas propostas da China para pôr fim ao conflito na Ucrânia e na Palestina. Nenhum país deve procurar a sua própria segurança à custa da segurança dos seus países vizinhos ou de pactos e ações agressivas, sejam de intervenção militar ou de sanções económicas, que afrontam os princípios das Nações Unidas e violam o direito internacional e as suas resoluções.

A China está disposta a promover a democracia económica, parte integrante da Declaração Universal dos Direitos Humanos, através do aprofundamento dos direitos dos cidadãos das nações integradas na nova Rota da Seda (Iniciativa Cinturão e Rota), como já provou ser capaz no seu próprio país, através da inovadora “estratégia direcionada” de redução da pobreza, que combina não apenas a ajuda humanitária, segundo o modelo ocidental, mas também o desenvolvimento sustentável, que cria empregos e aumenta a renda dos pobres. Associando-lhe ainda, uma intervenção do governo que assegura a renda suficiente, as duas garantias alimentação e agasalho adequados – e os três direitos, habitação, saúde e educação. O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou: “Cada vez que visito a China, fico surpreendido com a velocidade da mudança e do progresso. Criou-se uma das economias mais dinâmicas do mundo, ao mesmo tempo ajudando mais de 800 milhões de pessoas a saírem da pobreza – a maior conquista antipobreza da história (United Nations Press, 26 September 2019). Uma década antes da meta traçada pela Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, numa trajetória que vem de 1949, o contributo da China para a redução da pobreza da Humanidade representa 70% dessa diminuição da pobreza, que, no entanto, continua a alastrar-se no mundo e bate às portas da UE, enquanto cresce também no seu interior.

A “nova” e a “velha Europa” 

O confronto geoestratégico entre a Rússia e os EUA agravou-se na Eurásia, longe da compreensão dos cidadãos europeus e do escrutínio da comunicação social. Os EUA adotaram uma estratégia dupla: continuaram a pressionar os países dominantes da UE, utilizando o Reino Unido como pivô, mas apoiaram ao mesmo tempo, usando diversas fontes de financiamento, a ascensão ao poder no leste da Europa de partidos nacionalistas e autoritários. Foram duplamente bem-sucedidos: a UE viu-se enfraquecida pelo Brexit, sobretudo no plano militar, com a saída do Reino Unido. No Leste Europeu, particularmente nos Estados bálticos e na Polónia, emergiram governos completamente alinhados com os interesses americanos.

A estratégia de aliança com a “nova Europa”, quando necessário, contra “a velha Europa”, que o então secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, teorizou-se no contexto da decisão dos EUA de invadir o Iraque, mesmo sem o aval das Nações Unidas, e consolidou-se com a guerra na Ucrânia.

O Departamento de Segurança Interna (DHS) do governo dos EUA, em linha com a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSS) de 2017 e a Abordagem Estratégica dos Estados Unidos para a China de 2020, lançou o “Plano de Ação Estratégica  para Combater a Ameaça representada pela República Popular da China”, perante a sua ascensão na cena mundial; o Parlamento Europeu aprovou em seguida a “Nova Estratégia para a China”, que obedece aos desígnios e à linha política de confronto com a China, preconizada pelo governo dos EUA.

A Nova Estratégia da UE face à China é um documento sinistro, que contém as mais infames e inverosímeis acusações e mentiras sobra a China. Ele não se fundamenta em nenhum estudo sério da realidade, nem corresponde à posição política do sector empresarial, tampouco às aspirações e sentimentos das nações e dos povos europeus.

De onde vêm as ameaças à estabilidade e ao progresso da economia europeia? 

Não percamos a memória. Os enviados do governo americano vieram à Europa para tentar impedir a implantação da tecnologia 5G, pressionando e ameaçando os seus governos.  Mas não usar a rede da Huawei significaria um atraso de “pelo menos 2 anos” para a Europa, protestaram os CEO do sector das Telecomunicações! Ao mesmo tempo, tentaram bloquear a construção do novo oleoduto Torrente Norte-2, que abasteceria a Alemanha e o resto da Europa com o gás barato da Rússia, entretanto destruído no contexto da guerra ucraniana. E aproveitaram esse conflito para incentivar o boicote total à Federação Russa, privando os dois países de um fluxo comercial de 260.000 milhões (26 bilhões) de euros. Por iniciativa e pressão política dos EUA, o Parlamento Europeu boicotou a aplicação do Acordo Global de Investimento, suscetível de evitar a queda da economia europeia, abalada pela pandemia e pelos primeiros sinais de crise de sobreprodução e financiamento…

Anotemos que o PIB europeu depende em grande medida das exportações. Veja-se o caso das suas maiores economias: Alemanha, 38,71% (2019), França, 21,04% (2019), Itália, 26,62%, Espanha, 23,94%, mas não do Reino Unido, 16,61% (2019). Como resultado: a Alemanha, a locomotiva da economia europeia, apresentava um PIB estagnado ou negativo já em 2019. Atualmente, e depois da Alemanha, agora foi a França a entrar em terreno negativo no terceiro trimestre de 2023. A economia francesa contraiu 0,1% nos meses de verão. A Itália, a terceira maior, estagnou.

A China autorizou a entrada sem visto dos viajantes da França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha e Malásia a partir do 1º de dezembro, num sinal de boa vontade e maior abertura.

A China é importante para a UE em muitos domínios: contenção da inflação, promoção da recuperação económica, transição ecológica, transformação digital e defesa do multilateralismo, a que a presidente da Comissão Europeia chamou, no discurso referido, “ilhas de cooperação”, mas continuando a classificar estrategicamente a China como um “rival sistémico”. Com esta visão política, o fluxo de paz e progresso que a nação chinesa semeia pelo mundo derivará para outros continentes. Para que tal não aconteça, a UE necessita adotar uma política independente e soberana em relação aos EUA, para benefício de todos os países, do fortalecimento das forças democráticas que resistem na democracia americana e europeia, hoje ameaçadas, e em apoio da transição pacífica da globalização imperialista para a nova Era do Multilateralismo.

Por António dos Santos Queirós, professor e investigador. Universidade de Lisboa

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