Cúpula China-Ásia Central: mais um passo rumo à integração na Eurásia

Historicamente o antigo império chinês preocupou-se muito com a ameaça vinda das tribos nômades da Ásia Central. Apesar de temer a agressão frequente dos vizinhos nômades, a China imperial sempre teve um grande interesse na região que hoje abriga cinco países: Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão. Na antiguidade, por exemplo, a expansão da presença chinesa na região lançou as bases da famosa Rota da Seda, que tanto contribuiu para o intercâmbio regular entre o Oriente e o Ocidente.

A Ásia Central é um dos elementos geográficos mais importantes na chamada Teoria da Geoestratégia, ao lado do Cáucaso Central e da Europa Oriental, formulada pelo geógrafo inglês Halford Mackinder (1904), baseada no conceito do pivô entre o Coração da Terra (Heartland), a Ilha Mundial (Eurásia) e o mundo inteiro. A relevância geoestratégica da região centro-asiática na reconfiguração da ordem mundial em curso a tornam cada vez mais atrativa e despertam o interesse de governos, acadêmicos e analistas pelo que ocorre na região. As atuais cinco repúblicas da Ásia Central, hoje independentes, ostentam uma superfície conjunta de 3,9 milhões de quilômetros quadrados, quase do tamanho da União Europeia como um todo, 3.300 quilômetros de fronteira terrestre com a China e reúnem uma população de 77,2 milhões de habitantes. Em termos econômicos, a região tem um PIB combinado de US$ 395 bilhões (segundo dados do FMI para 2022) e uma renda per capita média de US$ 5.100 no nível, portanto, dos países de renda média conforme classificação do Banco Mundial.

A taxa média anual de crescimento econômico dos cinco países centro-asiáticos foi de 6,2% nos últimos 20 anos, em comparação com a taxa de crescimento dos países em desenvolvimento de 5,3% e a média mundial de 2,6% ao ano. O crescimento das receitas de exportação, as remessas dos trabalhadores migrantes e o investimento estrangeiro direto (IED) contribuíram para o aumento da renda e a redução na pobreza. Em 2021, o comércio exterior de mercadorias da região totalizou US$ 165,5 bilhões, um aumento de seis vezes nos últimos 20 anos. O comércio recíproco entre os países está crescendo ainda mais rápido do que o comércio exterior total, reforçando a integração econômica regional.

As repúblicas da Ásia Central faziam parte da antiga União Soviética (URSS) e haviam sido agregadas à Rússia desde meados do século XIX. Mas a influência russa tem declinado naturalmente nos últimos 30 anos na medida em que os cinco países da região têm buscado diversificar suas relações econômicas e políticas com outros vizinhos, a exemplo da República Popular da China. Tanto é assim que o volume de comércio entre os cinco países da Ásia Central e a China cresceu exponencialmente e ultrapassou a marca de US$ 70 bilhões em 2022 ou 40% do total do comércio exterior da região. Por seu turno, o estoque de investimento chinês na região já alcança US$ 15 bilhões, devendo aumentar fortemente nos próximos anos.

Embora o ingresso de IED na região esteja crescendo, persistem desafios em nível de países e de setores. A falta de abertura econômica de alguns dos países, o afastamento dos grandes centros econômicos e o fato deles não terem acesso ao mar continuam a afetar a percepção dos investidores internacionais sobre a região. A proporção de IED em relação ao PIB, excluindo o investimento nos setores de commodities, está abaixo da média global, indicando que a região centro-asiática precisa se esforçar por atrair muito mais fluxos de IED.

A criação de um novo tipo de Rota da Seda passando pela Ásia Central foi tornada possível pela Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) que a China vem implementando.  Ao lançar a Iniciativa em Astana, no Cazaquistão, em setembro de 2013, o presidente Xi Jinping, enfatizou que há mais de 2.100 anos, durante a dinastia Han, da China, um enviado imperial foi mandado duas vezes para “abrir portas” para acesso aos territórios da Ásia Central, a fim de desenvolver contatos comerciais. Isso levou não apenas ao intercâmbio com os diferentes povos e reinos então existentes na região, mas também serviu como um frutífero caminho rumo ao Ocidente para a China, facilitando o comércio com o então Império Romano e depois com a Europa medieval.  Atualmente, quase 80% dos trens de carga China-Europa passam pela Ásia Central. Vários projetos importantes foram concluídos, incluindo o gasoduto China-Ásia Central, a rodovia China-Quirguistão-Uzbequistão e o Parque Industrial de Pengsheng no Uzbequistão, beneficiando as populações desses países.

Dada a importância das relações com a Ásia Central para a China, foi acordada pelas partes realizar uma reunião de Cúpula em Xi’an em 18 e 19 de maio deste ano, ocasião em que os líderes dos seis países trocarão pontos de vista sobre a cooperação China-Ásia Central e sobre questões internacionais e regionais relevantes e de interesse comum. A reunião da Cúpula em Xi’an está sendo considerada um dos principais eventos diplomáticos que a China sediará este ano, de modo que há grandes expectativas de estreitar ainda mais suas relações com os vizinhos da Ásia Central e assegurar um espaço privilegiado de desenvolvimento, paz e integração na Eurásia.

De fato, sob o desafiante cenário geopolítico atual, a China e os países da Ásia Central têm forte vontade de reforçar a cooperação, em especial a colaboração nos campos energético, de prevenção e redução de desastres e na construção de infraestruturas que levem à integração e à expansão das trocas comerciais entre as diversas partes. Como a China e os cinco países da região convergem para a mesma posição em muitas questões internacionais importantes e compartilham a mesma preocupação com a paz e a segurança, eles poderão falar a uma só voz, o que reforça sua projeção internacional e traz novas oportunidades para o desenvolvimento mutuamente vantajoso e pacífico nessa importante região do globo terrestre.

A propósito, o presidente chinês, Xi Jinping, proferiu nesta sexta-feira (19) um importante discurso na Cúpula China-Ásia Central, realizada na cidade de Xi’an, no noroeste da China. Segundo ele, as relações entre a China e os países da Ásia Central têm atualmente grande vigor e vitalidade. O líder chinês afirmou que o mundo precisa de uma Ásia Central estável, próspera, harmoniosa e bem conectada. Para tal, ele apontou que a soberania, a segurança, a independência e a integridade territorial dos países da Ásia Central devem ser salvaguardadas e que os caminhos de desenvolvimento escolhidos pelos povos da região devem ser respeitados, assim como apoiados os seus esforços em prol da paz e da amizade com seus vizinhos.

Ao enfatizar que o mundo precisa de uma Ásia Central próspera, Xi Jinping destacou que essa região atenderá à aspiração dos povos de seus diversos países por uma vida melhor e injetará um forte impulso na recuperação econômica mundial. E como o mundo precisa de uma Ásia Central harmoniosa, o líder chinês expressou que conflitos étnicos, disputas religiosas e divisão cultural não são o tema principal na Ásia Central, mas sim a solidariedade, a inclusão e a amizade entre os povos. Salientando que o mundo precisa de uma Ásia Central bem conectada, ele afirmou que a região, abençoada com vantagens geográficas únicas, tem a base, as condições e as capacidades para se tornar um importante centro de conectividade do continente eurasiático, além de fazer contribuições para trocas de bens, interações entre civilizações e desenvolvimento da ciência e tecnologia no mundo.

Com o objetivo de ajudar na conectividade da região, a China propôs estabelecer mecanismos de reunião e diálogo em áreas que incluem desenvolvimento industrial e investimento para facilitar a cooperação abrangente entre a China e os países da Ásia Central. De acordo com o presidente Xi Jinping, os mecanismos também abrangerão agricultura, transporte, gerenciamento de emergências, educação e assuntos de partidos políticos. A China lançará mais medidas de facilitação do comércio e atualizará os acordos bilaterais de investimento com os países da Ásia Central.

Ademais, a China se esforçará para implementar o “canal verde” de desembaraço aduaneiro rápido de produtos agrícolas e industriais em todos os portos fronteiriços entre a China e os países da Ásia Central,  além de apoiar  a construção de um corredor internacional de transportes através do Mar Cáspio. A China fortalecerá, por fim, a construção de centros de transporte para serviços de trens de carga China-Europa e acelerará a modernização dos portos existentes entre a China e os países da Ásia Central, prometeu o presidente chinês, Xi Jinping, no dia 19 de maio.

por José Nelson Bessa Maia, economista brasileiro, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina

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