Por Rui Lourido, historiador, presidente do Observatório da China e presidente da União de Associações de Cooperação e Amizade Portugal China
Muitos líderes europeus ficaram surpreendidos pelo facto de Portugal ter sido escolhido para a primeira visita do novo vice-presidente da China, Han Zheng, a um país da União Europeia, de 7 a 10 de maio de 2023. Especialmente, depois dos principais líderes do bloco terem visitado a China, há pouco tempo atrás, como o chanceler alemão, Olaf Schultz, e presidente francês, Emmanuel Macron, com importantes comitivas com o objetivo de intensificar ao máximo possível as respetivas relações comerciais e económicas. Mas este privilegiar de Portugal não parece estranho a quem tem acompanhado as relações de Portugal com a China. Em Portugal, Han Zheng foi recebido oficialmente pelas principais autoridades nacionais, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, para conversações sobre assuntos de interesse comum, seja em nível das relações bilaterais, seja sobre a atualidade internacional.
Portugal é a nação europeia com a mais longa relação pacífica com a China, remontando ao século XVI (chegada, em 1513, de Jorge Alvares à ilha Tamão, no litoral da província de Cantão). Após o derrube do fascismo, Portugal estabeleceu as relações de amizade mais intensas, de um país da União Europeia, com a China. Este facto permitiu uma devolução tranquila da administração de Macau à sua Pátria natural – a República Popular da China, com a criação da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), enquadrada na política do governo central da China de “um país, dois sistemas”. Se no passado os portugueses introduziram, massivamente, na Europa as grandes conquistas da China, como as sedas e as porcelanas, criando, inclusivamente, condições para o surgimento de uma nova moda – a chinoiserie, entre a elite europeia, o processo equilibrado e pacífico de transição de Macau (dez. 1999) reforçou o orgulho nacional.
A Parceria Estratégica Global foi estabelecida em 2005, para a intensificação dos contactos bilaterais.
No âmbito da iniciativa chinesa “Cinturão e Rota” (BRI, na sigla inglesa), Portugal foi um dos 57 países fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII, em 2015). Entre as largas dezenas de países que têm vindo a assinar acordos de participação na “Nova Rota da Seda”, o nosso país também assinou o seu acordo, em dezembro de 2018, durante a visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping, a Portugal. Na altura, foram igualmente assinados pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas, da cultura à energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias e inteligência artificial.
A nova Rota da Seda demonstrou, nos seus 10 anos de existência, ter contribuído para o desenvolvimento económico dos países participantes, com base em benefícios mútuos, sem ingerência nos assuntos internos. Proliferaram infraestruturas para o desenvolvimento social, como estradas, pontes, caminhos de ferro modernos e velozes, hospitais e equipamentos de saúde, entre outros. Mas esta cooperação não foi só na Ásia e na África, mas também na Europa, onde a abertura da China contribuiu para evitar a recessão económica no período de pandemia e continua a contribuir para o desenvolvimento económico europeu.
Para além do investimento em setores tradicionais em Portugal, como energia, finanças, seguros, saúde, comunicações e a construção civil, a China e Portugal alargaram a cooperação a novos setores como a economia digital, a conservação do meio-ambiente, a energia limpa e a inteligência artificial. É de realçar o desenvolvimento atual da cooperação sino-portuguesa, através de protocolos para a investigação do mar e do espaço, preservação da biodiversidade, combate à poluição marítima e promoção do desenvolvimento sustentável da economia marítima. O laboratório científico de Tecnologia Espacial e Marítima (STARLab) é disso exemplo.
A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia e a maior fonte de importações fora da UE. Em 2022, com um aumento de 9,8%, o investimento direto chinês em Portugal somou 3,22 mil milhões de euros, e o investimento direto português na China totalizou 50,2 milhões de euros, apresentando um aumento de 11,48% em relação ao ano anterior. Portugal foi pioneiro em alguns acordos com a China: é o primeiro país da UE a estabelecer a “Parceria Azul”, e o primeiro país europeu a emitir cartões de banco de Union Pay e o primeiro país da Zona do Euro a emitir dívida em moeda chinesa (Panda bonds).
Segundo o embaixador da China em Portugal, Zhao Bentang, o papel de Portugal nas relações com a China tem sido exemplar, pelo que a China colaborará com Portugal, promovendo a cooperação bilateral em todas as áreas, para atingir novos patamares de desenvolvimento. No seguimento do anterior apoio chinês à reeleição de António Guterres, como secretário-geral da ONU, é previsível que Portugal negoceie igualmente o apoio chinês à candidatura de António Vitorino à reeleição, em junho de 2023, como diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Neste mundo multipolar, mas numa época de grande imprevisibilidade das relações internacionais, em que os países são mais interdependentes do que nunca, o embaixador da China Zhao Bentang sugere que, no âmbito da Iniciativa para a Civilização Global, a China e Portugal possam reforçar a colaboração conjunta, sempre com respeito pela diversidade das civilizações, promovendo os valores comuns da humanidade: paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade, valorizando as respetivas heranças e a inovação das diferentes civilizações. Contribuindo desta forma para o desenvolvimento e o progresso da civilização humana.