Por Mohamed al-Azaki
Sanaa – Muitas vezes me lembro de 2011, quando a febre da chamada Primavera Árabe chegou à capital iemenita, Sanaa. Com uma câmera em uma mão e um caderno na outra, corri para as praças da cidade onde manifestantes gritavam em uníssono contra o então presidente Ali Abdullah Saleh. Ingenuamente, escrevi na época: “O Iêmen está caminhando em direção à porta do futuro”.
O que eu não sabia era que a porta logo se fecharia. Enquanto os protestos varriam o país, o Iêmen não dava sinais do futuro próspero, estável e democrático que os governos ocidentais haviam prometido. Em vez disso, o país estava preso em conflitos que perduram até hoje.
Logo após os protestos, os gritos de guerra nas ruas deram lugar a tiros. A eletricidade falhou, as prateleiras dos supermercados esvaziaram e os salários desapareceram. A cólera varreu as comunidades, aumentando o medo.
Para manter minha família a salvo dos confrontos entre os apoiadores de Saleh e a oposição, enviei-os para uma aldeia por cinco meses no final de 2011. Tive até que vender meu carro só para fornecer comida e remédios.
A crise logo atingiu um ponto sem volta. Em 21 de setembro de 2014, os houthis tomaram Sanaa, colocaram o então presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi em prisão domiciliar e capturaram grande parte do noroeste do Iêmen. Hadi posteriormente fugiu para Riad. Em poucas semanas, uma coalizão liderada pela Arábia Saudita lançou uma campanha aérea para restaurá-lo. Milhares foram mortos, milhões foram deslocados, e o solo iemenita tornou-se palco de uma nova guerra.
Ainda me lembro dos gritos de mães nos corredores dos hospitais e do silêncio assustador de crianças soterradas sob telhados desabados após ataques aéreos, tragédias destinadas a se repetir em todas as guerras.
No Iêmen, uma turbulência só levou a outra desde 2011. Saleh, que governou o Iêmen por mais de três décadas, certa vez comparou governar o país a “dançar sobre a cabeça de cobras”. Antes de sua morte em 2017, ele fez apenas um adendo sombrio: “As cobras cresceram”.
Uma breve trégua chegou em abril de 2022, mas não trouxe pausa. Em menos de dois anos, o conflito em Gaza eclodiu em outubro de 2023. Os houthis declararam apoio aos palestinos lançando mísseis e drones contra Israel e embarcações ligadas a Israel no Mar Vermelho. Israel respondeu com ataques aéreos intermitentes, e as trocas de tiros entre os dois lados logo se tornaram rotina.
Às vezes, os ataques eram tão violentos que Sanaa parecia mais uma ferida do que uma cidade. À noite, explosões cortavam o céu, e minha filha de 10 anos acordava e gritava.
No início deste mês, ataques aéreos israelenses no centro de Sanaa destruíram um prédio de quatro andares que abrigava dois jornais administrados pelos houthis. Em um instante, ele foi reduzido a pó. Os houthis disseram que 32 de seus jornalistas foram mortos, juntamente com 13 civis.
Foi um dos bombardeios mais pesados que já sofri. Janelas se estilhaçaram. Portas se soltaram das dobradiças. O chão tremeu sob meus pés.
Minha filha pulou no meu colo, soluçando: “Eles vão nos matar, assim como as crianças em Gaza”. Desde aquele dia, ela se recusa a voltar para a escola.
Enquanto eu escrevia a matéria, um caça sobrevoava Sanaa, com sua carga ainda por atingir. Mais cedo, Israel lançou novos ataques ao porto iemenita de Hodeida, aos quais os houthis responderam com um míssil balístico.
A turbulência diária é um lembrete de que o Iêmen se tornou um fragmento de um mapa de guerra em expansão, um campo de testes para rivalidades.
A guerra persistente destruiu a ingenuidade que eu carregava em 2011. Guerra não é videogame. Não é um filme de ação em que um herói se livra de estilhaços e caminha em direção ao pôr do sol. É o momento em que você imagina seu obituário em letras miúdas, enterrado sem ser notado. Para os iemenitas, a paz é algo desesperadamente desejada.
Ainda guardo meu caderno de 2011. Ele conta a história do desmoronamento de uma nação: dos cânticos da “Primavera Árabe” ao mais recente ataque aéreo israelense da atualidade. As páginas estão manchadas de poeira, suor e, às vezes, lágrimas.
Minha filha costuma se sentar à minha frente, com os olhos arregalados e o medo não expresso. Não sei o que dizer a ela, exceto que, há pouco tempo, acreditávamos em portas que se abriam para o futuro.
