Por Dereck Goto
Há oitenta anos, o povo chinês permaneceu ferido, mas inquebrável, após 14 anos de luta contra agressões brutais. Durante a Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa, a China sofreu mais de 35 milhões de mortes e viu suas cidades e aldeias devastadas. No entanto, dessas cinzas emergiu não apenas uma vitória militar, mas um triunfo moral. Foi a declaração da China de que a soberania poderia ser recuperada e que um povo unido poderia derrotar um inimigo que parecia indomável.
Para o Zimbábue, este aniversário não é uma página distante na história de outra nação, é um espelho. O caminho da China ressoa com nossa própria odisseia, da subjugação colonial à independência, da marginalização à autoafirmação.
Portanto, foi apropriado o presidente Emmerson Mnangagwa estar em Beijing em 3 de setembro ao lado do presidente chinês Xi Jinping, comemorando a vitória que remodelou a Ásia e, por extensão, o mundo. Sua presença prova uma amizade forjada não apenas na diplomacia, mas também por filosofias compartilhadas de resistência, resiliência e reconstrução.
A comemoração deste ano não foi um encontro comum. Nessa grande ocasião, o presidente Mnangagwa foi um dos dois únicos líderes africanos convidados.
A própria lista de convidados transmitia um significado geopolítico distinto: uma convergência de nações unidas por histórias compartilhadas de luta pela soberania nacional, frequentemente retratadas de forma diferente nas narrativas ocidentais, mas coletivamente dedicadas a moldar uma ordem global mais justa, equitativa e sensível às necessidades e aspirações da maioria dos países da comunidade internacional.
O que tornou a vitória da China tão importante não foi apenas a resistência de seu povo, mas também os efeitos estratégicos em cascata que mudaram o curso da Segunda Guerra Mundial. Mais de dois terços das forças terrestres japonesas ficaram presas na China por anos, sofrendo centenas de milhares de mortes em solo chinês. Na verdade, sem a resistência chinesa, a vitória dos Aliados na Europa teria sido muito menos certa.
As conexões com a África durante a guerra eram reais. Em 1942, tropas chinesas em Mianmar realizaram o ousado resgate em Yenangyaung, libertando milhares de soldados aliados cercados. Entre os relatos desse período, há memórias de africanos servindo em formações coloniais britânicas que encontraram tropas chinesas.
Uma dessas histórias, transmitida nos círculos de veteranos, conta a história de um soldado rodesiano, o sargento James Moyo, que escreveu que as tropas chinesas que o salvaram e a seus companheiros eram “irmãos na luta pela liberdade”. A história captura a essência da solidariedade: estranhos reconhecendo um no outro um destino compartilhado de resistência. Esse espírito prefigurou os laços posteriores entre a China e a África nas lutas de libertação.
O presidente Mnangagwa observou, com razão, que “nossa amizade com a China está escrita no sangue da luta compartilhada e no suor da reconstrução compartilhada”. Isso explica por que, quando o Zimbábue conquistou a independência em 1980, a China foi um dos primeiros países a nos reconhecer e apoiar. Do apoio aos combatentes da libertação ao fornecimento de bolsas de estudo e conhecimento técnico que construíram nossa infraestrutura inicial, a ética de solidariedade da China provou ser duradoura. Ao longo das décadas, a relação China-Zimbábue amadureceu em parcerias que abrangem energia, agricultura, telecomunicações e saúde.
A expansão da usina hidrelétrica de Kariba Sul, o projeto das Unidades 7 e 8 da Usina Térmica de Hwange, o novo Edifício do Parlamento em Mount Hampden e a implementação do 5G no Zimbábue por meio da Huawei carregam marcas registradas da China. Durante a pandemia de COVID-19, quando o nacionalismo vacinal expôs a fragilidade da solidariedade global, foram as vacinas chinesas que chegaram a tempo. Esses atos não são transacionais; eles decorrem de uma filosofia forjada na luta, a de que a segurança e a prosperidade devem ser coletivas, não individuais.
Há também um detalhe simbólico que enriquece a comemoração deste ano. O Japão assinou seu instrumento de rendição em 2 de setembro de 1945, mas a China celebra o dia 3 de setembro como seu Dia da Vitória. Por quê? Porque a China anunciou a vitória no dia seguinte, e três dias de comemoração começaram em 3 de setembro, data posteriormente formalizada pela República Popular da China em 2014.
Um veterano é fotografado na Tribuna da Praça da Paz Celestial antes de um desfile militar em Beijing, capital da China, em 3 de setembro de 2025. (Xinhua/Cai Yang)
O simbolismo é profundo: a paz não é uma assinatura em pergaminho, mas um nascer do sol visto pelos vivos. O Zimbábue também sabe que a liberdade não se proclama uma vez, mas se vive diariamente, no solo, na economia e na dignidade da soberania.
As lições dessa história permanecem urgentes. Em uma era em que o mundo oscila novamente entre a cooperação e o confronto, o legado de 1945 nos lembra que o destino das nações está interligado. “A guerra é como um espelho. Olhar para ela nos ajuda a apreciar melhor o valor da paz”, observou o presidente Xi. O presidente fundador da Tanzânia, Julius Nyerere, certa vez alertou que “sem unidade, não há futuro para a África”. Ambas as declarações convergem para a mesma verdade: a segurança não pode ser sustentada por dominação, coerção ou exclusão. Ela deve se basear no diálogo, na justiça e no respeito mútuo.
E, no entanto, o Zimbábue e a China enfrentam hoje táticas familiares. O Zimbábue sofre sanções ocidentais destinadas a usar o financiamento como arma contra nossa soberania. A China enfrenta contenção externa, guerras comerciais, proibições tecnológicas e cerco militar, destinadas a impedir sua ascensão. Essas não são novidades, são formas modernas dos mesmos esforços históricos para negar às nações independentes seu lugar de direito no mundo.
O falecido ex-presidente do Zimbábue, Robert Gabriel Mugabe, certa vez lembrou ao mundo que “nossa amizade com a China não nasceu por conveniência, mas por princípios”. Esses princípios, soberania, dignidade e autodeterminação, permanecem sob pressão no século 21.
Enquanto o Zimbábue olha para sua Visão 2030, a experiência chinesa oferece inspiração. Ela prova que o rejuvenescimento nacional é possível mesmo após a devastação, mas somente com unidade, paciência estratégica e autossuficiência disciplinada. A China se reconstruiu não por meio da dependência de potências externas, mas por meio de uma transformação autoimpulsionada. Para o Zimbábue, ainda enfrentando sanções, obstáculos econômicos e volatilidade global, a lição é clara: a adversidade pode ser combustível para a renovação.
Quando o presidente Mnangagwa esteve em Beijing em 3 de setembro de 2025, ele não comemorou apenas um aniversário estrangeiro. Ele estava homenageando uma herança compartilhada de luta e uma responsabilidade compartilhada pelo futuro. A Grande Muralha da China e o Grande Zimbábue, embora separados por milhares de quilômetros, transmitem a mesma mensagem: as civilizações perduram. Elas podem ser testadas, mas não desaparecem. Elas se adaptam, se reconstroem e se erguem novamente.
A história não é uma peça de museu. É uma bússola. A vitória de 1945 nos lembra que a paz não é a ausência de guerra, mas a presença de justiça, soberania e solidariedade. Para o Zimbábue e para a China, recordar não é apenas honrar o passado, mas passar sua tocha adiante.
O mundo ainda aguarda um novo amanhecer, e cabe a nós, os herdeiros do sacrifício, garantir que esse amanhecer brilhe com dignidade, igualdade e prosperidade compartilhada.
Nota da edição: Dereck Goto é comentarista político baseado em Harare.
As opiniões expressas neste artigo são do autor e não refletem necessariamente as posições da Agência de Notícias Xinhua.
