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“Frente fria” transatlântica atinge atual Conferência de Segurança de Munique

Munique, Alemanha – A 61ª edição da Conferência de Segurança de Munique (CSM) colocou as relações EUA-Europa sob intenso escrutínio, com tensões aumentando sobre a posição de Washington sobre a crise na Ucrânia, seus comentários sobre assuntos internos europeus e o recente telefonema do presidente dos EUA, Donald Trump, com o presidente russo, Vladimir Putin.

Todos esses desenvolvimentos, disseram especialistas, contribuíram para a crescente tensão nas relações transatlânticas.

DISCURSO CONTROVERSO

“Se a democracia americana pode sobreviver a 10 anos de repreensão de Greta Thunberg, vocês podem sobreviver a alguns meses de Elon Musk”.

Essas observações foram feitas pelo vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, como ele descreveu, feitas “com todo o humor” durante seu discurso principal na abertura da conferência na sexta-feira. Suas palavras foram seguidas por segundos de silêncio e, mais tarde, provocaram uma reação generalizada em toda a Europa.

A conferência deste ano recebeu atenção especial devido às possíveis soluções para a crise na Ucrânia. A posição de Washington estava sob escrutínio particular, já que Trump havia falado com líderes russos e ucranianos antes da conferência.

No entanto, em seu discurso, Vance apenas abordou brevemente a questão da Ucrânia, afirmando que, embora os Estados Unidos acreditassem que uma resolução razoável entre a Rússia e a Ucrânia fosse possível, a maior ameaça à Europa vinha de dentro. Ele continuou acusando o bloco de abandonar seus valores fundamentais e criticando sua supressão da expressão política.

“A forte insatisfação com o discurso de Vance entre os participantes é o que torna a CSM deste ano diferente, algo nunca visto”, disse à Xinhua, Xiao Qian, vice-chefe do Centro de Segurança e Estratégia Internacional da Universidade de Tsinghua.

Xiao observou que o discurso se desviou completamente do discurso usual das elites de segurança transatlânticas nesses fóruns. Em vez disso, o vice-presidente dos EUA inesperadamente criticou e até mesmo deu sermões aos políticos europeus, expondo abertamente a cisão entre os Estados Unidos e seus aliados europeus.

As palavras de Vance atraíram ampla oposição de líderes europeus, que as veem como interferência externa em suas políticas domésticas.

O chanceler alemão Olaf Scholz rebateu as declarações de Vance em seu discurso no dia seguinte, afirmando que a Alemanha “não aceitaria que estranhos interviessem em sua democracia, suas eleições e a formação democrática da opinião pública”.

Da mesma forma, Kaja Kallas, alta representante da Comissão Europeia para relações exteriores e política de segurança, comentou que o discurso de Vance parecia ter a intenção de provocar conflito com a Europa. “Não queremos brigar com nossos amigos”, disse ela.

Foto tirada no dia 12 de agosto de 2024 mostra avião de guerra desativado com placas da Força Aérea Ucraniana em parque em Kramatorsk, Donetsk. (Foto por Peter Druk/Xinhua)

FALHAS DE COORDENAÇÃO NA UCRÂNIA

A reunião altamente antecipada de Vance com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky durante o evento de Munique não gerou progresso significativo. Como Trump disse no início desta semana que as negociações para o fim da guerra de quase três anos na Ucrânia começarão “imediatamente” após uma ligação telefônica com Putin, a Europa teme que possa ser marginalizada em potenciais negociações sobre a crise na Ucrânia.

As preocupações foram amplificadas por comentários contundentes do enviado de Trump à Ucrânia, Keith Kellogg, que declarou no sábado que não haverá assento para a Europa na mesa nas negociações de paz na Ucrânia.

Em resposta ao anúncio unilateral de Trump de que ele e Putin concordaram em “imediatamente” iniciar as negociações de paz, as principais autoridades das relações exteriores dos principais países europeus, incluindo Alemanha, França e Polônia, emitiram uma declaração conjunta, destacando que a Ucrânia e a Europa devem fazer parte de “qualquer negociação”.

“Este momento é existencial, e é um momento em que a Europa precisa se levantar”, disse a ministra das Relações Exteriores alemã, Annalena Baerbock, em um painel da CSM. A Europa deve se levantar, observou ela, acrescentando que a resposta à fala “Minha Nação Primeiro” dos outros é “Europa Unida”.

Além da questão da negociação, fortes divisões transatlânticas persistem sobre como garantir a segurança da Ucrânia.

Armida van Rij, pesquisadora sênior da Chatham House, observou que a posição dos EUA sobre a crise da Ucrânia é motivada por “interesse próprio”. Washington, observou ela, está mudando da divisão de encargos na defesa europeia para a transferência de encargos a fim de reduzir seus gastos com defesa, ao mesmo tempo em que aumenta as vendas de armas para garantir que a Europa permaneça dependente dos Estados Unidos.

INCERTEZAS NOS LAÇOS TRANSATLÂNTICOS

Fundado em 1963, a CSM já foi apelidada de “reunião familiar transatlântica” e, desde então, serviu como plataforma essencial para fortalecer as relações EUA-Europa.

No entanto, as diferenças entre os Estados Unidos e a Europa no evento deste ano vieram à tona, fazendo com que a parceria transatlântica encontrasse uma “frente fria”.

Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, discursa na cerimônia de abertura da 61ª edição da Conferência de Segurança de Munique (CSM) em Munique, Alemanha, no dia 14 de fevereiro de 2025. (Xinhua/Gao Jing)

Ao discursar na cerimônia de abertura da conferência, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier repreendeu abertamente a posição do governo dos EUA em questões como o reassentamento de palestinos em Gaza.

Ele afirmou que o novo governo americano não mostra consideração pelas regras estabelecidas, pelas parcerias ou pela confiança construída ao longo do tempo.

Wang Junsheng, pesquisador do Instituto Nacional de Estratégia Internacional da Academia Chinesa de Ciências Sociais, observou que os comentários recentes de Trump sobre os territórios canadenses e groenlandeses são um desrespeito mais amplo às normas internacionais, corroendo ainda mais a confiança na ordem global. Esse sentimento, acrescentou ele, tem sido uma grande fonte de desconforto para a Europa na conferência deste ano.

A Europa continua muito incerta sobre o futuro da OTAN e outros mecanismos de cooperação transatlântica sob a liderança de Trump. Wang destacou que essa ansiedade se estende além das preocupações de segurança para questões econômicas, incluindo a ameaça de tarifas punitivas.

Uma pesquisa do Conselho Europeu das Relações Exteriores divulgada esta semana revelou que em grandes nações europeias como Alemanha, França, Itália e Espanha, menos de 20% dos entrevistados ainda consideram os Estados Unidos um aliado que compartilha valores e interesses comuns.

A coordenação de políticas transatlânticas deve ficar cada vez mais difícil, disse Xiao, vice-chefe do Centro de Segurança e Estratégia Internacional da Universidade de Tsinghua. A Europa quer que os Estados Unidos permaneçam engajados e solidários. Também insiste que o futuro da Europa depende dela, resistindo à interferência americana em seus assuntos internos.

Essa contradição, ou dilema, pode forçar a Europa a buscar maior autonomia estratégica, disse Xiao, acrescentando que a coordenação de políticas entre os Estados Unidos e a Europa enfrentará mais dificuldades.

Agência Xinhua

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