A industrialização e a globalização aceleradas transformaram as áreas rurais, resultando em vários tipos de situações pelo mundo afora. Todavia, o pleno desenvolvimento econômico requer uma relação equilibrada e sustentável entre a dinâmica dos diferentes setores da economia. A transição da dicotomia urbano-rural para a integração entre campo e cidade é um processo gradual, mas que precisa ser feito com firmeza. Tal como em muitos países, a sociedade rural chinesa tem passado por dificuldades devido à emigração dos jovens, ao envelhecimento da população, à falta de oportunidades econômicas e assim por diante. Com o objetivo de resolver os problemas das áreas rurais, o Governo Central da China propôs pela primeira vez em 2017 a implementação de uma estratégia abrangente de revitalização rural e promoção de um desenvolvimento urbano-rural integrado.
Como uma demonstração da importância conferida pelas autoridades ao tema do setor rural, a China acabou de divulgar seu “documento central nº 1” para 2024, com novas diretrizes para reforçar a revitalização rural. O documento abrange seis partes, incluindo a busca de segurança alimentar, a prevenção de recaída na pobreza, o desenvolvimento de indústrias nas áreas rurais, o fortalecimento da construção rural, o aprimoramento da governança rural e o fortalecimento do empenho do Partido Comunista da China (PCCh), partido dirigente do país, no trabalho relativo à agricultura, às áreas rurais e aos agricultores. Para promover a modernização chinesa, é essencial consolidar continuamente os fundamentos da agricultura e impulsionar a revitalização rural de forma abrangente, afirma o documento. Ele também destaca a necessidade de aplicar a filosofia de desenvolvimento, os métodos de trabalho e os mecanismos de avanço do Programa de Revitalização Rural Verde, lançado em 2003, para melhorar o ambiente rural na província de Zhejiang.
Em seu planejamento plurianual, a China pretende fazer progressos decisivos na revitalização rural e alcançar a modernização da agricultura e das zonas rurais até 2035. A reforma para melhorar as instituições e os mecanismos de política rural foi a fonte para este processo. Conforme mencionado na conferência central anual sobre trabalho rural realizada em janeiro último, a reforma e a inovação nas áreas rurais terão continuidade, logrando avanços em campos importantes. Ao permitir que os agricultores transformem voluntariamente os seus direitos sobre bens coletivos em ações, esta reforma visa proteger os interesses dos agricultores e melhorar a vitalidade da economia coletiva rural. Em todo o país, cerca de 960 mil economias coletivas rurais foram estabelecidas desde que a reforma do sistema de direitos de propriedade coletiva foi implantada em 2015. A China continuará, portanto, a aprofundar a reforma do sistema de direitos de propriedade coletiva de áreas rurais para permitir que os agricultores aumentem os seus rendimentos.
De fato, numa grande inovação institucional adotada na última década, a China permitiu que os agricultores mantivessem direitos contratuais relativos às terras agrícolas que lhes foram atribuídas, ao mesmo tempo em que transferiam direitos de gestão caso os agricultores decidissem arrendar as terras a terceiros. Esta reforma, juntamente com a prorrogação do contrato de terras rurais por mais 30 anos, proporcionou mais garantias aos agricultores e ajudou a acelerar a transferência de terras agrícolas, a agricultura em grande escala e o desenvolvimento de uma indústria agrícola moderna.
Em toda a China, a taxa de mecanização na lavoura, na plantação e na colheita aumentou de 67,2%, em 2017, para 73%, em 2022. Ajudada pelo aumento das contribuições de maquinário agrícola e tecnologia, a China garantiu uma colheita de grãos de mais de 650 milhões de toneladas pelo nono ano consecutivo em 2023. Também no ano passado, o rendimento disponível per capita dos residentes rurais no país foi de 21.691 yuans, um aumento de 7,7%, reduzindo a razão entre o rendimento disponível per capita dos residentes urbanos e o dos residentes rurais, que era de 2,39. Com a reforma e inovação, a agricultura na China terá melhores sistemas industriais, de produção e de operação empresarial e, por conseguinte, maior rendimento da terra, mais eficiência na utilização de recursos e maior produtividade do trabalho.
A prioridade conferida à revitalização da agricultura e das áreas rurais pelas autoridades chinesas não significa menor ênfase nos segmentos industrial e no terciário de alta tecnologia. Trata-se de buscar novas fontes internas de crescimento e geração de emprego e contribuir para o maior equilíbrio intersetorial na economia chinesa. Ao contrário do que afirmam alguns analistas de bancos e fundos de investimento ocidentais, a economia chinesa continua a crescer (5,2% em 2023 contra 2,5% nos EUA). Não atingiu o chamado pico e dispõe de pontos fortes para uma retomada consistente e estável de crescimento. A China é responsável por quase um terço da produção industrial global e cada vez mais, o valor gerado não vai para investidores estrangeiros, mas fica dentro do país. A China é o maior exportador de automóveis do mundo e domina a maioria dos elos da cadeia de suprimentos de energia verde, um dos segmentos mais promissores da economia global.
Mesmo com as dificuldades atuais derivadas do ajuste no setor imobiliário, da transição demográfica, de crises geopolíticas e do protecionismo estrangeiro, a China reúne como poucos países enorme capacidade de mobilizar capital, pessoas, recursos e tecnologia, para um propósito singular. Por menor que seja hoje a taxa de crescimento em relação à taxa média de 20 anos atrás, o país ainda é suficientemente grande e dinâmico para vir a se tornar a maior economia do mundo em pouco tempo e, assim, deverá permanecer durante décadas. Discutir alguns pontos percentuais de crescimento chinês para cima ou para baixo, aqui ou ali, não mudará isso.
O governo chinês dispõe dos meios necessários para enfrentar frontalmente os desafios da conjuntura. Ao pôr em prática políticas fiscais e monetárias expansionistas e prosseguir com as reformas, a China está apta a reverter a sua relativa desaceleração econômica de uma década em 2024 e manter um crescimento robusto nos próximos anos.7 O setor imobiliário chinês pode ter perdido fôlego, mas não a economia da China. A revitalização da agricultura e o desenvolvimento rural contribuirão para ajudar na retomada da trajetória de forte crescimento.
Por José Nelson Bessa Maia, economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina