Por Rui Lourido, historiador, presidente do Observatório da China e presidente da União de Associações de Cooperação e Amizade Portugal China
A Cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) realizou-se a 11 e 12 de julho, em Vilnius, capital da Lituânia. Lendo o extenso comunicado (com 90 pontos) confirma-se a sua narrativa bélica, de expansão e alargamento da NATO a novos espaços e no aprofundamento do apoio à guerra na Ucrânia, com todos os meios militares possíveis e pelo tempo necessário, sem consideração pelas centenas de milhares de mortos ucranianos.
Com a recente entrada da Finlândia e a próxima entrada da Suécia, os 32 países da NATO representam uma minoria que não chega a 15% da população do Globo. No entanto, comportam-se como pretendendo dominar todos os restantes países e estabelecer, unilateralmente, as regras que, no entender desta organização, deveriam ser obedecidas pelos restantes 85% da humanidade, sendo esta maioria afastada da sua discussão.
Esta expansão é vista por Moscovo como uma traição dos EUA à promessa, feita pelo então secretário de estado norte-americano, James Baker, ao líder soviético, Mikhail Gorbachev, de que a NATO não se iria expandir nem um centímetro para o leste da Europa, condição para a dissolução do Pacto de Varsóvia e da própria União Soviética.
A cruzada do governo dos EUA, de destruir o poder militar da Federação Russa, integra-se na sua estratégia geopolítica, de há longas décadas, de fragilizar a influência política da Federação Russa para impedir a concorrência e impor a exclusividade da hegemonia americana no Mundo, com os respetivos benefícios económicos.
Os EUA não aceitaram a entrada de mísseis soviéticos em Cuba, área considerada de sua influência geopolítica, porque defenderam que a segurança de Cuba não se poderia fazer à custa da insegurança dos EUA. Esses mísseis eram uma resposta da União Soviética, por um lado, ao pedido de Fidel Castro, depois da tentativa falhada dos EUA de invasão de Cuba, pela Baía dos Porcos, em 1961, e, por outro lado, como resposta da União Soviética à colocação de mísseis balísticos dos EUA (PGM-19 Júpiter), em Itália e na Turquia. Contudo, o governo dos EUA e a NATO têm vindo a fazer o que criticaram, ao promover, agora, a entrada na organização dos países fronteiriços da Federação Russa. Concretamente em relação à Ucrânia, é o próprio comunicado da atual cimeira a reconhecer que, desde 1997, se estabeleceu uma Parceria entre a NATO e a Ucrânia, reafirmada na Cúpula de 2008, em Bucareste, complementada em 2009, e aprofundada agora na cimeira de Vilnius. Assim, de forma irracional, em resposta ao conflito militar entre Ucrânia e Rússia, insiste-se na guerra e no sacrificar do Povo ucraniano para que a Ucrânia, candidata a membro da NATO, seja uma ameaça permanente à Federação Russa ao colocar mísseis junto das suas fronteiras.
Os países do G7 e da NATO, que se consideram os mais desenvolvidos do mundo, “venderam” a narrativa de que valia a pena sacrificar a vida dos ucranianos, criando uma crise económica na Europa, para impor a presença da NATO na Ucrânia, pois seria fácil derrotar a suposta decadente Federação Russa mas, ao fim de um ano e meio de guerra, nem tudo parece correr como planeado pelo império americano. Apesar de investirem recursos militares e financeiros, decorrentes dos impostos dos povos desses 32 países, não conseguiram derrotar a Federação Russa. Em vez de criarem condições de diálogo com a Rússia, país integrante da Europa, as elites dominantes dos EUA e de parte da Europa desenvolveram uma Guerra Fria e uma russofobia, sendo a censura aos canais de informação da Rússia, contra os direitos cívicos de acesso à informação por parte da população dos países da União Europeia, ilustrativa dessa fobia. Ironicamente, favoreceram a aliança entre a Federação Russa e os países asiáticos, africanos e árabes, com destaque para a China, a Índia e a África do Sul.
Perante o aparente insucesso da contraofensiva ucraniana, os EUA já decidiram, unilateralmente, enviar armamento proibido pelas convenções internacionais, como as bombas de fragmentação, o que recebeu, antes da cimeira, críticas veladas e abertas, por parte de vários países europeus aliados dos EUA (como Portugal, Inglaterra e Espanha, que fazem parte dos 123 países que assinaram a Convenção sobre Munições Cluster). Contudo, após a pressão do presidente americano, os europeus não foram capazes de tomar uma decisão clara (nem, pelo menos teoricamente, referir num dos 90 pontos do comunicado final da cimeira) de oposição da NATO ao uso de armas ilegais, banidas pela comunidade e pelos direitos internacionais.
O império americano tem vindo a confrontar-se com um elemento novo no xadrez internacional, a República Popular da China, dialogante, defensora de um sistema internacional baseado na Organização das Nações Unidas. A China tem vindo a atuar, com grande dinamismo, a diplomacia inclusiva e o verdadeiro multilateralismo, criando fóruns e plataformas globais e regionais de negociação permanente, com acordos de benefícios mútuos, onde as nações têm direitos iguais. A recuperação do papel da China, de alavancar e desenvolver a economia mundial (o que tem feito desde há pelo menos um milénio, com a única interrupção de 150 anos de humilhação provocada pelas guerras para impor o consumo de ópio na China e as devastadoras invasões das potências ocidentais e os tratados desiguais), convocam-na, uma vez mais, a assumir um papel central de pacificação das relações internacionais neste mundo, hoje já multipolar.
A este papel dialogante da China opõem-se os projetos de hegemonia económica, política e militar, por parte da elite dos EUA e de alguns países da Europa. Neste contexto, a China é indicada pelos relatórios das agências de segurança do governo dos EUA, como principal ameaça à manutenção da hegemonia americana no Mundo. Mas, contrariando a narrativa americana da ameaça chinesa, segundo estudos americanos recentes da Colombia University, são os EUA que possuem mais de 800 bases militares e dezenas de milhares de soldados americanos espalhados pelo mundo. Só a cercar a China, têm mais de 100 bases militares, sendo as principais no Japão, Austrália, Coreia do Sul e Filipinas. Algumas das bases instaladas nas Filipinas estão, provocatoriamente, localizadas em distâncias próximas da ilha de Taiwan da China.
As referências à República Popular da China, no comunicado da cimeira da NATO, apesar de serem críticas, seguem um padrão não demasiado negativo de forma a solicitar à China que se abstenha de apoiar a Rússia e que condene a invasão da Ucrânia. Entre as críticas, destacam-se a acusação de a China “impor medidas coercivas sobre os vizinhos”, “tentar controlar tecnologias-chave” e “desejar subverter a ordem internacional”, mesmo no domínio espacial e marítimo. Estas críticas perdem toda a legitimidade quando vêm da parte da NATO e dos EUA, que invadiram e destruíram inúmeros países (como a Jugoslávia ou o Iraque, entre muitos outros). A retórica de considerar a China como uma ameaça é irrealista, na medida em que o desenvolvimento da China tem vindo a contribuir para que a própria Europa, os EUA e a economia mundial se desenvolvam.
A guerra contra a Federação Russa, por intermédio da Ucrânia, tem também como objetivo, velado, impedir a Rússia de ajudar militarmente a China, quando os EUA decidirem fazer a guerra à China, através de Taiwan (ilha chinesa desde a antiguidade e que foi ilegalmente ocupada, em 1949, pelo Kuomintang com o apoio americano, partido derrotado na guerra civil no continente chinês). Taiwan vem sendo armada com sofisticados e avançados sistemas militares dos EUA, desde há muitos anos.
A atual cimeira da NATO não teve qualquer palavra de compreensão pelos diferentes planos de paz já apresentados por vários membros da comunidade internacional, entre os quais se destaca a missão de paz de sete nações africanas; o plano de paz do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; e em especial o plano de paz da China. Todos convergem na necessidade de impedir a continuação das dezenas de milhares de mortes no campo de batalha, obrigando a suspender de imediato a guerra e a encetar o diálogo simultâneo, tendo como princípio orientador da negociação – que a segurança de um país não pode ser feita à custa da segurança de outro país.
Com a promoção da guerra, os países membros da NATO dão prioridade à militarização das suas economias, em detrimento das metas de redução dos impactos ambientais a que se comprometeram. Com objetivos de curto prazo desprezam um dos principais problemas atuais com que se confronta a humanidade – as alterações climáticas. Desvalorizam a descarbonização das nossas economias e o investimento em energias renováveis para justificar o bloqueio à energia vinda da Rússia. A própria Comissão Europeia e o Parlamento Europeu reverteram proibições e voltam a incentivar a exploração do carvão, do petróleo e consideram, transitoriamente, o gás e a energia nuclear como fontes de energia verdes.
Só o diálogo e uma negociação inclusiva, com benefícios mútuos, recusando o espírito de guerra fria, garantirão a segurança e a paz às nações neste mundo multipolar!