Os rumos da política governamental chinesa, pelo peso que a China ostenta na economia mundial, desperta sempre grande interesse por parte de investidores, exportadores e analistas econômicos de outros países. Em um ano marcado por fatores exógenos adversos como o conflito na Ucrânia, o rescaldo da pandemia de Covid-19, interrupções nas cadeias de valor, crise energética e alta da inflação e dos juros nos principais países ocidentais, a economia global desacelerou após a forte recuperação ocorrida em 2021, afetando o dinamismo da economia chinesa e causando uma desaceleração no seu ritmo de crescimento.
O FMI previu em novembro passado que a economia da China crescerá 3,2% em 2022 e depois aumentará para 4,4% nos próximos dois anos, já que o crescimento do país continua sob pressão após uma recuperação “impressionante” do impacto inicial da pandemia. De fato, os números do Departamento Nacional de Estatísticas da China apontam que a economia chinesa cresceu apenas 3% em média nos três primeiros trimestres deste ano, bem abaixo da meta de “cerca de 5,5%” para o ano inteiro anunciada no final do ano passado. A propósito dessa previsão de desaceleração estimada pelo FMI, ainda assim a China seria responsável por 30% do crescimento global agregado no próximo ano quando a economia mundial crescerá apenas 2,7% contra 3,2% em 2022. A contribuição da China para o crescimento global será mais de três vezes maior do que a dos EUA cuja taxa de crescimento do PIB será de apenas 1%, ao passo que a Zona do Euro crescerá em torno de 0,5%.
Na mesma linha do FMI, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que a taxa de expansão da economia global deve cair de 3,1% este ano para 2,2% em 2023 e projeta que o crescimento econômico chinês diminuirá para uma taxa de 3,3% em 2022, mas se recuperará para 4,6% em 2023 e 4,1% em 2024. O surgimento da variante ômicron de Covid-19 na China levou a ondas recorrentes de lockdowns e quarentenas em 2022, que acabaram por travar parte da atividade econômica. No entanto, segundo a OCDE, mesmo em face de fatores internos e externos contrários, o crescimento da China será mantido por investimentos públicos em infraestrutura física e digital e medidas de apoio que atenuam a correção em curso no setor imobiliário.
Por sua vez, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) também prevê que a China vai desacelerar, cerca de 4,2 pontos percentuais a menos que em 2021, embora se projete que continue crescendo mais rápido do que outros países, em quase 4% em 2022, e acelerar para 5,3% em 2023, um dos poucos países importantes do mundo a atingir esse desempenho. A Unctad espera desaceleração na China em 2022 em função principalmente dos lockdowns anti-Covid-19 prolongados e só agora atenuados, o que causou incertezas aos consumidores e redução no consumo, apesar do afrouxamento nas condições de crédito por parte das autoridades. O ajuste continuado no setor imobiliário também teria impactado o ritmo de crescimento, além da desaceleração nas exportações à medida que a demanda internacional enfraqueceu em meio a crescentes pressões inflacionárias e aperto monetário em muitos países.
Nesse contexto de desaceleração no crescimento, o Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) reuniu-se no dia seis de dezembro para, entre outras coisas, analisar a situação da economia e as perspectivas para o próximo ano. Nessa ocasião foi enfatizada a necessidade de implementar as diretrizes do 20º Congresso Nacional do PCCh e avançar no processo de modernização chinesa. Segundo foi debatido na reunião, o país dará atenção especial para garantir o crescimento, o emprego e os preços estáveis, prevenir e neutralizar os principais riscos de forma eficaz e se esforçará para alcançar uma melhoria geral no desempenho econômico. Uma política fiscal proativa e uma política monetária prudente serão implementadas para alcançar um avanço econômico estável. No encontro, foi decidido que as políticas em várias esferas vão ser melhor coordenadas, enquanto as respostas epidêmicas serão otimizadas, formando sinergia para um desenvolvimento de alta qualidade. Também serão envidados esforços para expandir ainda mais a demanda interna e realçar o papel fundamental do consumo e do investimento.
À reunião do Birô Político do Comitê Central do PCCh seguirá a Conferência Central de Trabalho Econômico (CEWC, sigla em inglês), em meados de dezembro deste ano, que detalhará a análise dos parâmetros da economia chinesa, a exemplo da meta para o PIB e o déficit fiscal. Como é de praxe, as principais metas de política econômica só serão divulgadas oficialmente na reunião da Assembleia Popular Nacional em março próximo e não na CEWC, mas as suas discussões acabam sinalizando para os mercados os prováveis rumos da política econômica chinesa no ano seguinte.
Apesar do cenário externo desfavorável, o ano de 2023 reserva uma retomada da economia chinesa bem além do que esperam os organismos internacionais e bancos privados estrangeiros. Dois fatores cruciais para expandir o potencial de consumo chinês, o investimento privado e a confiança do investidor serão destravados pelas mudanças já iniciadas na política anti-Covid-19 e poderão gerar uma recuperação rápida e de base ampla.
Embora gradual, a implantação de novas regras para melhor equilibrar o combate à pandemia e o crescimento econômico resultará em aumento na demanda reprimida no início do próximo ano. Esse reforço no consumo interno fortaleceria os demais indicadores econômicos, a exemplo das vendas de varejo, a confiança de consumidores e empresas, o incremento no turismo doméstico e o aumento nas vendas de bens de consumo duráveis, tudo isso contribuindo para alavancar o crescimento da economia como um todo.
Por último, cabe mencionar que, com sua economia retomando o dinamismo habitual, a China, juntamente com outros países emergentes e avançados, poderá continuar a desempenhar um papel de liderança nos esforços multilaterais para enfrentar os desafios globais da pobreza e das mudanças climáticas em meio à crescente ameaça de fragmentação geoeconômica e níveis crescentes de endividamento excessivo entre vários países de baixa renda e mesmo em alguns mercados emergentes.
(*) José Nelson Bessa Maia é economista brasileiro, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.