A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que filia cerca de uma centena de associações, distribuídas em três categorias: Regionais, Sectoriais e de Serviços, realizou, em 9 de abril, uma Conferência, sobre o “O Futuro da Europa…e de Portugal, Riscos e Desafios”. Através das suas associações, a CCP representa mais de 200 mil empresas, gerando 1,4 milhões de postos de trabalho.
O foco do debate foi o Relatório Draghi e as taxas impostas pelo governo dos EUA, unanimemente consideradas como um imposto descarregado sobre as nações e os cidadãos; e o papel de Portugal no âmbito da União Europeia e dos Países de Língua Portuguesa, das relações com o Sul Global, a China e o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau), no sentido de fazer ouvir a voz do mundo empresarial.
Das intervenções e do debate, podemos evidenciar que a importância de reforçar as relações com a China representou uma ideia consensual. Esta tomada de consciência tem sido objeto de recentes e múltiplas declarações políticas na comunicação social e nelas se destaca a do antigo ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva (2020), responsável pelo Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, que preconizou mesmo “a viragem” para a cooperação com a China.
Na conferência emergiram ideias inovadoras que vão fazer o seu caminho na nação portuguesa e nos países que partilham a sua língua e cultura, as quais, na opinião do autor desta crónica, convergem com a visão da China para um futuro comum da humanidade e uma Nova Era de paz e cooperação. A paz como condição da cooperação, a cooperação como um instrumento que consolida e pavimenta o caminho pacífico do progresso da humanidade.
Uma questão central foi colocada no documento orientador dos trabalhos:
Existe a possibilidade de Portugal ter um modelo próprio dentro da União Europeia? Ou seja, de Portugal criar um espaço diferenciado no quadro da UE, com base, nomeadamente na valorização do território e das cidades e na atração de talentos? Pode Portugal, por exemplo, ser a “Irlanda” da China? Que relações próprias podemos procurar ter com os EUA?
Na sua intervenção, o subscritor desta notícia, respondeu àquela questão afirmando que nos últimos anos o Brasil, Angola e os restantes países de língua oficial portuguesa, com a China, têm vindo a construir um polo comum do multilateralismo, com uma crescente influência na política mundial, convergindo na defesa da paz e do desenvolvimento sustentável.
Sublinhando que se Portugal não se integrar, cada vez mais, nesse polo (sem ter de excluir a UE e outras parcerias internacionais), nos planos cultural, político e económico, nos próximos decénios, a sua diplomacia global tornar-se-á completamente irrelevante. Apelou ainda para a análise da realidade da China, a partir da perspetiva de que a República Popular da China (RPCh) representa uma nova experiência histórica da democracia e do socialismo, em relação com a qual o quadro conceptual ocidental da hermenêutica política não é o adequado para compreender a Nova China e para a necessidade de conhecer e estudar os documentos originais e verdadeiros que constituem os pilares da política internacional da RPCh, omitidos ou truncados na mídia ocidental.
Senão vejamos: Ao todo, as trocas comerciais entre os países de língua portuguesa e a China atingiram 220,9 mil milhões de dólares (203 biliões de euros) em 2023. Mas foi a República Popular da China que registou um défice comercial de 74,1 mil milhões de dólares (68,3 mil milhões de euros) em 2023 com o bloco lusófono, desmentindo a ideia falaciosa de que as relações comerciais com a China conduzem à dependência e à dominação económica.
No plano internacional, o autor lembrou as diferentes estratégias da RPCh e dos EUA face às crises globais, expressas em 2021 quando surgiram dois documentos fundamentais para compreendermos a atual crise internacional: A Iniciativa de Desenvolvimento Global da China e o Plano de Ação Estratégica do Departamento de Segurança Interna dos EUA para Combater a Ameaça Representada pela República Popular da China. O principal objetivo da iniciativa da China foi superar os desafios colocados pela pandemia e acelerar a implementação da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. Em sentido contrário evoluiu a política dos EUA.
A ideia fundamental e inovadora da Iniciativa chinesa é “o princípio da segurança indivisível”, que rejeita o caminho da construção da própria segurança em detrimento da segurança dos outros, em consonância com os princípios da Carta das Nações Unidas, que a China propõe assumir de vez o seu papel de fórum mundial da paz e do desenvolvimento partilhado e sustentável.
A Conferência da CCP, ao analisar o Relatório Draghi e as orientações produzidas pela UE, constata o esgotamento do atual modelo económico europeu e a necessidade de elevar o investimento até 3% do PIB comunitário, mas recorrendo como instrumento preferencial a emissão de dívida por parte da União. Também questiona o Plano para Rearmar a Europa, criticado por ser ilusória a prometida autonomia da indústria de defesa, e tal significar agora e a médio prazo, mais importação de armamento (2/3 deste gasto traduz-se hoje em compras aos EUA).
O Acordo Global UE-China sobre Investimento (CAI) foi boicotado no Parlamento Europeu, por ação do lobby americano e volta a estar na ordem do dia. Países como a França, ignoraram a imposições de Bruxelas e avançaram autonomamente para a sua concretização.
A Conferência apontou que Portugal não pode continuar a definir prioridades e a conceber projetos apenas em função do “menu” da UE, que não cobre as das reais necessidades. Deve reorganizar o país como a Porta Atlântica da Rota da Seda Marítima, com a economia sustentável do mar, e a Rota da Seda Ferroviária da Eurásia nos horizontes. Deve ser uma economia de transição para Projetos que diminuam a periferização do país na geografia da Europa e que recentrem Portugal no quadro das relações desta com o resto do mundo (Portugal é hoje “o país do meio”), em especial, por via das ligações atlânticas com África e o continente americano e que reforcem o relacionamento económico com países não europeus nomeadamente na Ásia. E não foi nesta visão estratégica que se assinaram os acordos de cooperação impulsionados com a visita de presidente Xi Jinping a Portugal?
Segundo a Bloomberg, entre 2024 e 2029, a contribuição para o crescimento da economia mundial será liderada pela China, com 21,7%, seguida pela Índia, com 14,8%, os EUA, com 11,6% e a Indonésia, com 3,5%.
Assim sendo, sem a China o mundo entrará em recessão e a União Europeia tornar-se-á irrelevante.
por António dos Santos Queirós, professor e investigador. Universidade de Lisboa