A China, no caminho da solução política e da paz para o conflito ucraniano

Por Antônio dos Santos Queirós, professor e investigador, Universidade de Lisboa

Desde o início do confronto militar direto entre a Ucrânia e a Federação Russa, a diplomacia chinesa intensificou os seus esforços para conter a guerra e apoiar uma solução política que permita assegurar a estabilidade e a paz. Neste contexto, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, recebeu recentemente (24 de julho) uma delegação chefiada pelo ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em Guangzhou, sul da China, e, numa mensagem à comunicação social internacional, o ministro ucraniano afirmou que recebeu “um sinal” de que o governo chinês está a trabalhar numa “solução permanente” para a guerra, enquanto elogiava a posição da China em defesa da soberania e da integridade das nações.

Este anúncio, deve conduzir-nos ao reconhecimento da verdadeira política diplomática da China, tantas vezes deturpada e manipulada a ocidente, em particular do documento “A posição da China sobre a solução política da crise na Ucrânia” (Fevereiro de 2023), mas também a tomar conhecimento do conteúdo político das conversações que o próprio presidente da China, Xi Jinping, realizou com os presidentes da Federação Russa e da Ucrânia.

Diplomacia para a paz

Recordo a conferência internacional promovida a partir de Kiev, na fase crítica da guerra, “Analyzing the Sinophone Narratives on the Russian Invasion in Ukraine”, 14 October 2022, organizada pelo A. Krymskyi Institute of Oriental Studies  (National Academy  of  Sciences  of  Ukraine) e  Ukrainian Association  of  Sinologists, onde intervim para desmontar notícias falsas e falácias e dar notícia da posição chinesa, e a publicação e divulgação na sua revista oficial, The Chinese Studies, após revisão científica, do correspondente artigo. Com ele se pretendia revelar os dois princípios fundamentais que definem permanentemente a consciência nacional da China e a posição do seu governo sobre a polícia internacional: o respeito pela soberania e integridade territorial e a coexistência pacífica.

Os melhores princípios da filosofia política clássica da China foram reintegrados na filosofia política da nova democracia e do socialismo chinês. Lao Zi escreveu que devemos respeitar as leis intrínsecas da natureza e das coisas. A agir sem forçar. O que que significa, agir com a mínima interferência, mas com firmeza e sentido moral. O caminho da paz cruza a política dos cinco princípios da coexistência pacífica, elaborados por Mao Zedong  e Zhou Enlai. “Salvaguardar a paz no mundo” foi também, uma das três tarefas históricas do caminho do socialismo chinês, proclamado por Deng Xiaoping. A declaração política chinesa, após o diálogo telefónico de 25 de fevereiro de 2022, quando o presidente Xi Jinping falou com o presidente Vladimir Putin, logo postulava: “A China incentiva a Rússia a resolver o conflito através de negociações com a Ucrânia. Há muito que a China mantém a posição básica de respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países e respeitar os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas”. A Rússia iniciou as primeiras negociações de paz, no dia seguinte.

Os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica já enformavam também os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), para a qual a nova china contribuiu decisivamente, e que foram integrados no preâmbulo da Constituição da sua República Popular, adotados depois pelo Movimento Não Alinhado e pela Organização Mundial do Comércio,  reproduzidos atualmente no Brics e na Iniciativa Cinturão e Rota, os quais  estão presentes em todos os acordos internacionais da China.

“Agir, sem agir”, significa que o discurso político também tem de ser cordial e contido. O presidente Xi Jinping acrescentou então que “é importante rejeitar a mentalidade de Guerra Fria e chegar a um mecanismo de segurança europeia através da negociação”. Em síntese: a China não apoiava a guerra, mas não concordava com a escalada das sanções nem do conflito militar, considerando que pessoas inocentes são atingidas, as sanções não respeitam o direito internacional, e podem empurrar o mundo para a recessão e o caos económico e o risco de guerra total se agigantava.

Prosseguindo nesta mesma linha, o presidente Xi Jinping propôs a Iniciativa de Segurança Global, na Conferência Anual do Fórum de Boao para a Ásia, em abril de 2022, guiada pelo “princípio da segurança indivisível”, que rejeita o caminho da construção da própria segurança em detrimento da segurança dos outros. Este princípio, em consonância com os princípios da ONU, defende a soberania e a integridade de todos os países, a não interferência nos seus assuntos internos e respeita os diferentes regimes políticos e sociais fruto da história dos seus povos

Já em 2023 (27 de abril), nas conversações diretas entre o presidente Zelensky e o presidente Xi, como quando as Nações Unidas discutiram a anexação pela Rússia das Repúblicas dissidentes, a China reafirmou a sua “parceria estratégica com a Ucrânia” e o embaixador ucraniano recebeu, através do seu homólogo chinês, uma mensagem do próprio presidente Xi reafirmando a posição do princípio da China de defesa da integridade e soberania do seu país, conforme a Carta das Nações Unidas.

Três pilares para a paz

Finalmente, a RPCh colocou sob a mesa negocial três pilares, assentes sobre os princípios invioláveis do Direito Internacional e da Carta das Nações Unidas, para a paz na Ucrânia e na Eurásia:

Primeiro pilar – Respeitar a soberania de todos os países, A soberania, independência e integridade territorial de todos os países devem ser efetivamente preservadas_ confrontando assim a política de guerra civil do regime ucraniano saído do golpe militar de 2014, mas também a invasão lançada pela Federação Russa.

Segundo pilar – A Suspensão de Sanções Unilaterais, não autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU, confrontando a política de guerra económica da NATO e da UE.

Assim sendo, e invocando o primeiro destes princípios, o presidente Zelensky, respondeu então que a posição da China “é positiva “afirmando que a declaração “respeita a nossa integridade territorial”. Do lado russo, a porta-voz presidencial afirmou que a Rússia “está disposta a procurar a solução dos objetivos da operação militar especial pelas vias político-diplomáticas”

A solução política proposta pela China incorporava ainda a redução de riscos estratégicos, segundo os princípios de que Armas Nucleares Não Devem Ser usadas e Guerras Nucleares Não Devem Ser Travadas. – O terceiro pilar.

Foi secundada pelo Brasil e pelos países do Sul, que constituíam “o clube da paz” e mereceu o apoio da comunidade internacional em todos os quadrantes políticos.

 

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