Em maio de 1975, a China e a Comunidade Económica Europeia (CEE) estabeleceram oficialmente relações diplomáticas. Posteriormente, em outubro de 2003, aquando da sexta Cimeira China – União Europeia (UE), reunida em Beijing, a China e a UE estabeleceram uma Parceria Estratégica. As relações entre a China e a UE só alcançaram este nível de relacionamento privilegiado quando concluíram ser fundamental para a prossecução e o desenvolvimento dos interesses de ambas as partes. A UE e a China assumiram três elementos comuns: o protagonismo de potências influentes em nível mundial; a cooperação económica, imprescindível para desenvolver os interesses essenciais da UE e da China; e, em terceiro lugar, ambas declararam querer fortalecer a comunidade internacional, contribuir para o desenvolvimento económico e social e para a paz no mundo.
A reação dos Estados Unidos, à decadência da sua hegemonia no mundo, tem vindo a incrementar sanções unilaterais sobre o comércio internacional (à revelia da Organização Mundial do Comércio – OMC), a promover o espírito de Guerra Fria e o crescimento de conflitos e guerras entre antigos blocos geopolíticos, impondo aos seus aliados a interrupção das cadeias de redistribuição, tentando (sem sucesso) isolar a Federação Russa e a China. Segundo Jeffrey Sachs, economista norte-americano, analista de políticas públicas e professor da Universidade de Columbia, temos assistido ao apoio acrítico, do chamado “mundo ocidental” (não mais de 12% da população mundial) à hegemonia dos EUA (cerca de 4% da população) sobre os outros países (84% da população mundial). Alguns países apoiam, de forma clara, o confronto entre blocos (Otan/Rússia e o genocídio, através da ocupação, do bombardeamento e da morte pela fome sobre o povo da Palestina).
Perante a atual turbulência mundial, a China tem vindo, de modo ativo e responsável, a propor à comunidade internacional (e não só ao Sul Global), designadamente através da Organização das Nações Unidas (ONU), várias propostas de iniciativas internacionais [de Desenvolvimento Global – com ganhos mútuos (win/win); de Segurança Global; de Civilização Global; a comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e Iniciativa Cinturão e Rota] para incrementar o desenvolvimento económico global e a estabilidade mundial.
A China e a UE, como é obvio, não partilham da mesma perceção ou opinião em todos os assuntos, e têm frequentemente abordagens divergentes relativamente a uma mesma questão. Mas, no que se refere ao relacionamento com a UE, a China tem feito um intenso esforço de valorização dos elementos e valores comuns, que favorecem a criação de pontes e entendimentos com a UE, desvalorizando os elementos de antagonismo.
A China, com um longo percurso de mais de 5 mil anos de história, tem vindo a valorizar a longa história e as ricas culturas dos países europeus. Ambas as civilizações partilham valores, tais como a defesa da paz, a procura da liberdade e a resistência à violência, a noção de respeito mútuo nas relações humanas, a consciência da importância da modernização das sociedades através da edução/formação e do desenvolvimento económico e tecnológico.
Estes valores comuns, juntamente com a consciência da necessidade de trabalhar em conjunto, para enfrentar os maiores desafios da atualidade, criam uma base estável e propícia ao aprofundamento da atual parceria estratégica Europa-China, nomeadamente: no combate urgente às alterações climáticas; na defesa do multilateralismo; no incremento da democracia nas relações internacionais; na valorização do papel das Nações Unidas; na valorização da paz e da estabilidade mundial; no combate ao terrorismo internacional, e na promoção do desenvolvimento sustentável, envidando esforços para erradicar a pobreza.Perante o desgaste provocado pela guerra económica e diplomática dos EUA contra a China, a parceria estratégica da China com a UE tem vindo a ganhar maior relevância no atual xadrez internacional.
O ano de 2023 assistiu a um aumento de visitas diplomáticas à China (chefes de Estado e empresas ocidentais, em especial da Europa, acompanhados de representantes de grandes empresas). O presidente chinês, Xi Jinping, reuniu-se no dia 7 de dezembro, em Beijing, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Também os líderes chineses do governo central, e de muitas províncias da China, têm intensificado os esforços diplomáticos para o aprofundamento das relações com o Ocidente e, em especial, com a Europa.
Apesar do aumento da narrativa ocidental e europeia (para consumo político das suas opiniões públicas) de desglobalização e cerrada crítica à China, pela planificação central da economia e investimento estatal nos setores de modernização, estas viagens estão sendo intensificadas em 2024: o ministro-presidente da Baviera, Alemanha, Markus Soeder, viajou para a China a 23 de março; o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, visitou a China em 26 e 27 de março; o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Stephane Sejourne, fez uma viagem à China a 1º de abril; o chanceler alemão, Olaf Scholz, chegou à China no dia 14 de abril, acompanhado de uma importante delegação empresarial, como a BMW e a Volkswagen, para uma visita focada na relação económica com a China, visitando centros industriais como Chongqing, e financeiros como Shanghai. Em Beijing tem reuniões marcadas com o presidente Xi Jinping e com o primeiro-ministro Li Qiang.
Segundo os dados oficiais do Eurostat, em 2023, o défice das relações comerciais da União Europeia com a China situou-se em 291 mil milhões de euros, tendo reduzido mais de um quarto (-27%, correspondendo a 106 mil milhões de euros) quando comparado com 2022. Entre 2013 e 2023, o défice comercial da UE, em bens, com a China variou entre 104 mil milhões de euros, em 2013, e 397 mil milhões de euros, em 2022. Em 2023, a China foi o maior parceiro nas importações de bens da UE (20,5% do total das importações extra-UE) e foi o terceiro maior parceiro nas exportações de bens da UE (8,8% do total das exportações extra-UE). Constatamos que os produtos mais importados da China pela UE são produtos com alto valor incorporado, decorrente da acelerada modernização chinesa baseada em Formação dos Recursos Humanos e em Inovação e Desenvolvimento Tecnológico. Os primeiros são os equipamentos de telecomunicações, embora tenham descido de 63,1 mil milhões de euros, em 2022, para 56,3 mil milhões de euros, em 2023. As máquinas e aparelhos elétricos (36,5 mil milhões de euros) e as máquinas automáticas para processamento de dados (36 mil milhões de euros) foram os segundos e os terceiros bens mais importados, respetivamente. Os automóveis e veículos automóveis registaram o maior aumento nas importações (3,5 mil milhões de euros; mais 36,7% do que em 2022). Quanto aos compostos orgânicos, inorgânicos e afins, que são utilizados como catalisadores em reações químicas, registaram a maior diminuição face a 2022 (-13 mil milhões de euros, representando menos 45,4%) (https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/w/ddn-20240304-2).
A desinformação sobre a China, promovida pela comunicação social ocidental, é avassaladora. Em especial a conduzida pelos EUA e seguida acriticamente pela União Europeia. Não é um fenómeno novo, o que aumentou foi a sua intensidade e virulência e o seu maior domínio na comunicação social através de jornalistas, especialistas e académicos, mas quase todos com uma perspetiva anti chinesa. Uma das características desta campanha é o servilismo de muitos institutos e centros universitários na elaboração de relatórios pseudocientíficos que, preconceituosamente, suportem as perspetivas e as decisões políticas dos EUA e da União Europeia de isolamento da China.
Necessitamos de ouvir a posição da China, pelo que damos a conhecer a opinião do ministro responsável pelo Comércio e os Assuntos Económicos da Missão Chinesa na UE, Peng Gang. Segundo este responsável chinês, a China e a UE são os parceiros comerciais mais importantes um do outro, a China e a UE continuam a ser os segundos maiores parceiros comerciais de bens um do outro. De acordo com as estatísticas chinesas, o comércio de mercadorias China-UE em 2023, embora tenha diminuído, ainda se situou em 783 mil milhões de dólares. As importações chinesas de maquinaria, produtos farmacêuticos e bebidas alcoólicas provenientes da UE cresceram 15,7%, 13,7% e 6,1%, respetivamente. As importações da China provenientes da UE melhoraram a saúde e os padrões de vida dos cidadãos chineses e impulsionaram o desenvolvimento económico da China. Ao mesmo tempo, as exportações chinesas de novos produtos energéticos, eletrónicos e outras mercadorias para a UE aceleraram as transições ecológica e digital da Europa e ajudaram a desacelerar o nível de inflação da UE.
A Comissão Europeia e alguns governos europeus seguiram acriticamente a retórica anti chinesa dos EUA (que tinham aprovado, em 2020, o “Plano de Ação Estratégica para Combater a Ameaça Representada pela República Popular da China), com a aprovação pelo Parlamento Europeu da “Nova Estratégia para a China”, com o objetivo de a isolar e de interromper o seu desenvolvimento. Esta estratégia política é contra os interesses do tecido empresarial da Europa que, juntamente com as empresas chinesas, continuam otimistas e interessadas em aumentar os investimentos nos respetivos mercados. De acordo com as estatísticas chinesas, citadas por Peng Gang, o stock de investimento bilateral entre a China e a UE ultrapassou os 250 mil milhões de dólares no final de 2023. O investimento da UE na China, em 2023, foi de 10,6 mil milhões de dólares, com um aumento de 5,5%, ultrapassando os 10 mil milhões de dólares pelo segundo ano consecutivo. No mesmo período, o investimento da China na UE foi de 8,2 mil milhões de dólares, com um aumento de 17,4%. De acordo com o Inquérito à Confiança Empresarial, em 2023, divulgado pela Câmara de Comércio da União Europeia na China (EUCCC), mais de 90% das empresas europeias inquiridas planeiam fazer da China o seu destino de investimento, e 59% delas consideram a China como um dos três principais destinos de investimento. Um inquérito a 288 empresas alemãs na China, realizado pela Câmara de Comércio Alemã na China, mostra que 55% destas empresas alemãs planeiam aumentar os seus investimentos na China nos próximos dois anos. O Relatório Anual de 2023, da Câmara de Comércio da China para a UE (CCCEU), mostra que mais de 80% das empresas chinesas inquiridas planeiam melhorar os seus negócios na Europa.
Apesar do Ocidente procurar “interromper” a globalização, a economia mundial desenvolve-se interligada e interdependente. A rápida recuperação da economia chinesa, no pós-Covid-19, tem contribuído para que a economia mundial não entre em recessão. É a falta de cooperação para o desenvolvimento global que representa o maior risco à segurança no mundo.
As economias da China e da União Europeia são complementares e as relações económicas entre ambas são mutuamente benéficas.
O Ocidente, e a Europa em particular, devem considerar a China como um parceiro e não como uma ameaça, pois o crescimento económico da China é fundamental para o desenvolvimento socioeconómico da Europa.
Por Rui Lourido, historiador e presidente do Observatório da China de Portugal