No final do ano passado, as perspectivas para a economia global pareciam ruins. Muitos analistas previam que o prolongamento do conflito Ucrânia-Rússia e o subsequente aumento nos preços da energia desencadeariam uma recessão econômica significativa na União Europeia. Alguns até anteciparam que os Estados Unidos entrariam também em recessão. Poucos acreditavam que a maioria das economias em desenvolvimento conseguiria resistir ao aumento nos preços do petróleo com elevação nas taxas de juros e uma eventual retração econômica nos países avançados.
Mas embora as convulsões imprevistas da geopolítica regional e de alguns mercados durante o ano tenham afetado as dinâmicas de crescimento mundial, a economia global surpreendeu positivamente. A maioria das economias avançadas desafiou os prognósticos negativos, evitando a recessão econômica. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os EUA devem crescer 2,1% em 2023, ao passo que a Zona do Euro crescerá 0,7%. Os países emergentes e em desenvolvimento como um todo evitaram dificuldades financeiras mais sérias e a China, com o segundo maior PIB do planeta, apesar do seu crescimento mais lento (ao redor de 5% em 2023), demonstrou mais uma vez a notória resiliência da sua economia na medida em que termina o corrente ano.
As tendências da conjuntura atual levam diversos analistas a adotar uma perspectiva mais otimista para 2024. Em vez de uma recessão, a previsão consensual agora aponta que a economia dos EUA deva seguir uma “aterrissagem suave” (com um crescimento de 1,5%), com queda na inflação e reduções nas taxas de juros. A Europa, por seu turno, tendo reforçado as suas reservas de óleo e gás e reestruturado suas cadeias de suprimentos, deverá também evitar uma recessão (crescerá 1,2%), embora a economia da Alemanha, a maior da região, continue quase estagnada. No caso da China, muitos analistas projetam um pacote oficial de estímulos para impulsionar o crescimento do PIB e evitar um crescimento de apenas 4,2%. Espera-se quetaxas de juros mais baixas e queda nos preços da energia aliviarão muitos países em desenvolvimento de complicações financeiras.
Em que pese à melhoria do cenário em 2023, para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a economia global continua a enfrentar os desafios de baixo crescimento e de inflação elevada, com um ligeiro abrandamento no próximo ano, especialmente como resultado do aperto da política monetária ao longo dos últimos dois anos. A inflação de fato diminuiu em relação aos picos do ano passado. A Organização espera que a inflação volte aos níveis das metas dos bancos centrais até 2025 na maioria das economias. No entanto, a OCDE projeta um aumento significativo da dívida pública em geral, em parte como resultado de uma nova redução no ritmo de crescimento. Por isso sustenta que serão necessários esforços adicionais para reconstituir saldos orçamentários em diversos países por meio de ajustes fiscais e estímulos monetários e regulatórios ao crescimento. Para garantir um crescimento mais forte, a mesma defende medidas para impulsionar a concorrência e os investimentos e melhorar a cooperação multilateral para enfrentar desafios comuns, como a retomada dos fluxos de comércio e estratégias convergentes para enfrentar a mudança climática.
O FMI, por sua vez, projeta que o crescimento global caia de 3,5% em 2022 para uma média de 3% em 2023 e quase o mesmo em 2024. De um lado, o aumento nas taxas de juros pelos bancos centrais para combater a inflação continua a pesar sobre a atividade econômica em muitos países. Prevê-se que as economias avançadas desacelerem de 2,6% em 2022 para 1,5% em 2023 e 1,4% em 2024, à medida que o aperto das políticas começa a fazer efeito. Por outro lado, o Fundo prevê também que os países emergentes e as economias em desenvolvimento tenham uma pequena desaceleração no crescimento, de 4,1% em 2022 para 4% em 2023 e em 2024. Para o FMI, a inflação global deverá cair de 8,7% em 2022 para 6,8% em 2023 e 5,2% em 2024.
O fato inconteste é que, apesar de vaticínios pessimistas de alguns analistas ocidentais, a economia chinesa continuou a ganhar ímpeto ao longo de 2023 e reforçar a sua recuperação, após os anos de enfrentamento da pandemia de Covid-19 e de protecionismos de parceiros comerciais importantes, devendo atingir a meta oficial de crescimento de 5% e com um desenvolvimento de mais alta qualidade. Conforme estima o FMI durante a recente divulgação do Relatório de Consulta do Artigo IV de 2023, a China crescerá 5,2% no ano em 2023, mas tenderá a desacelerar em 2024 e nos anos seguintes como reflexo do envelhecimento da população e da redução no crescimento da produtividade. Todavia, o próprio FMI também pondera que a China tem “o potencial de reverter essa tendência e aumentar o crescimento no médio prazo por meio de reformas estruturais que impulsionem a produtividade da economia e melhorem a taxa de participação da força de trabalho.”
Em recente Conferência Central de Trabalho Econômico (11-12/12/2023), o presidente chinês Xi Jinping destacou que, para relançar ainda mais a economia, a China terá de superar alguns desafios, como a falta de demanda efetiva, o excesso de capacidade em alguns setores, expectativas fracas das famílias, riscos ocultos, gargalos na circulação interna, bem como a crescente complexidade e incerteza derivada do ambiente internacional. Para ele, é importante o país estar mais atento aos perigos potenciais e reagir a tempo para resolvê-los eficazmente. No geral, como as condições positivas da realidade chinesa superam os fatores negativos, a tendência de retomada da economia permanece sólida a despeito de eventuais problemas conjunturais.
No que se refere ao ano de 2024, a China vai introduzir políticas que ajudem a estabilizar as expectativas das famílias e empresas, assim como o crescimento e o emprego. Ademais, serão envidados esforços para promover a transição ordenada de modelos de crescimento, o ajustamento estrutural e a melhoria na qualidade e eficiência produtiva, de modo a consolidar as bases de um crescimento econômico estável e equilibrado e com perspectivas positivas para os agentes econômicos. Portanto, serão tomadas medidas para reforçar a consistência da política macroeconômica, aprimorar a coordenação nas políticas fiscal, monetária, de emprego, industrial, regional, científica e tecnológica e ambiental, e melhorar a avaliação de políticas, de modo a garantir a maior sinergia das políticas públicas.
Olhando para o médio prazo, a economia chinesa permanece altamente resiliente à conjuntura econômica global graças aos seus pontos fortes, como capacidade de inovação, grande e crescente mercado interno, infraestrutura de qualidade, cadeias industriais bem estabelecidas, recursos humanos qualificados. Portanto, a China deverá se concentrar doravante mais em melhorar sua estrutura econômica, estabilizar o setor imobiliário e fomentar novos motores de crescimento, a exemplo da economia verde e de baixo carbono e da economia digital. A transformação econômica em curso no país será uma jornada longa e complexa, mas uma trajetória necessária para a China poder resolver deficiências estruturais e, assim, alcançar o nível desejado e estável de desenvolvimento econômico e social.
Por José Nelson Bessa Maia, economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina