As relações econômicas e comerciais entre a China e os Estados Unidos desenvolveram-se de forma contínua desde o estabelecimento dos laços diplomáticos entre a China e os EUA em 1979, com resultados expressivos alcançados no comércio e no investimento. A China beneficia-se da forte sinergia, enquanto os EUA também colhem extensos benefícios econômicos das oportunidades e resultados gerados pelo crescimento da China. É evidente, pois, que uma relação econômica e comercial sólida entre a China e os EUA é muito importante para ambos os países. A cooperação serve aos interesses dos dois lados e o conflito só pode prejudicar a ambos.
No campo das relações internacionais, as discussões acadêmicas no Ocidente sobre as relações China-EUA são em geral feitas por teóricos das escolas realista, neoliberal e construtivista, e variam do pessimismo ao otimismo. Os realistas antecipam dilemas de segurança inevitáveis e a balança de poder que eventualmente haveria de surgir entre os dois países, ainda mais complicados pela dinâmica regional e pela posse de armas nucleares por ambos. Numa visão mais otimista, o argumento neoliberal sublinha os interesses econômicos e as ligações entre os dois países (incluindo sua participação em organizações internacionais) como facilitadores da confiança e da cooperação.
O potencial pacificador da interdependência econômica, bem como a suposição a priori de que os dois países agiriam como atores racionais, são considerados fatores para levar a relações cooperativas e pacíficas. Os construtivistas, por sua vez, enquadram esta relação bilateral em termos do processo de aprendizagem pelo qual os dois países passam e das mudanças nas normas que podem ocorrer com interações repetidas e a socialização entre as elites dirigentes e os povos dos dois lados.
Todavia, neste debate incessante, a prática precede frequentemente a teoria, pelo que a dose de otimismo e pessimismo sobre as relações EUA-China varia à medida que os acontecimentos se desenrolam. No entanto, há razões para crer que as relações entre a China e os EUA podem ser retratadas como uma espécie de simbiose, que fornece uma base comum para as relações internacionais num mundo anárquico de conectividade e interdependência instantâneas.
De fato, a interdependência e a conectividade desempenham um papel crucial na formação do comportamento das partes envolvidas, obrigando-as a avaliar os seus assuntos externos com boa dose de pragmatismo. Em que pesem tensões geopolíticas conjunturais, esta é e continuará a ser a corrente dominante na explicação das relações China-EUA, refletindo as vinculações simbióticas que os unem. A simbiose na natureza refere-se a uma condição de associação prolongada entre dois ou mais organismos ou espécies que geralmente é mutuamente benéfica.
Na verdade, a simbiose trouxe benefícios tanto para a China como para os EUA. Os investimentos norte-americanos na China geraram enorme remessa de lucros para os EUA e as importações de produtos chineses mais baratos ajudaram a debelar a inflação na última década mesmo com a expansão monetária desenfreada pelo FED. A China tem ajudado a financiar o vultoso déficit fiscal dos EUA pela aplicação de suas reservas cambiais na compra de títulos do tesouro norte-americano, hoje no patamar de US$ 821,8 bilhões. A China, por seu turno, recebeu investimentos diretos, teve abertura ao grande mercado norte-americano para seus produtos e, via joint ventures, ganhou acesso a novas tecnologias para reforçar a competitividade de suas empresas e a qualidade e agregação de valor de seus produtos de exportação.
Em geral, pode-se afirmar que a relação comercial e econômica entre a China e os EUA é uma relação vantajosa para todos os envolvidos e de forma alguma um jogo de soma zero, trazendo benefícios concretos para as empresas, trabalhadores e consumidores dos EUA e que especialmente correspondem às expectativas dos empresários e pessoas de outros setores dos EUA. Infelizmente, alguns analistas e políticos norte-americanos afirmam sem base factual que os EUA estariam a “perder” nesta relação, uma afirmação, porém, que não resiste a um exame empírico mais detalhado.
No entanto, mesmo com a simbiose mutuamente vantajosa certos círculos de poder nos EUA passaram a perceber a China não mais como um bom parceiro, mas sim como uma suposta ameaça para a sua liderança mundial. Por isso impuseram desde 2018 medidas protecionistas no comércio bilateral e vêm buscando brecar o crescimento do país dificultando o acesso das empresas chinesas a importações de semicondutores e impedindo o seu acesso a tudo o que diz respeito a esta tecnologia, inclusive a formação de jovens engenheiros chineses em universidades norte-americanas. Além disso, adotam com frequência provocações geopolíticas que nada contribuem para a normalização das cadeias globais de valor e os fluxo de comércio e investimento estrangeiro.
Em face dos resultados danosos desta estratégia dos EUA para ambos os lados, é chegado o momento de desanuviar as relações com a China e restabelecer o bom e regular entendimento diplomático e a cooperação entre os dois países cujas economias representaram conjuntamente em 2021 cerca de 42,5% do PIB mundial (segundo dados do Fundo Monetário Internacional) e 22,7% das exportações mundiais (segundo a Organização Mundial do Comércio). Por serem as duas maiores economias nacionais do planeta a China e os EUA detêm responsabilidades compartilhadas para manter a estabilidade econômica e financeira internacional, ajudar a resolver os grandes problemas e enfrentar desafios, como as mudanças climáticas, a transição energética e a prevenção de pandemias, e além de tudo isso contribuir com recursos financeiros para o desenvolvimento dos países do Sul global.
A próxima reunião de líderes econômicos da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), a se realizar em São Francisco, nos EUA, de 15 a 17 de novembro será uma oportunidade propícia para as autoridades da China e dos EUA deixarem de lado suas diferenças e centrarem esforços numa agenda construtiva para 2024. Sediar a Apec este ano proporciona de fato aos EUA a oportunidade de moldar novas políticas comerciais e impulsionar o crescimento econômico numa região vibrante da Ásia-Pacífico, que representa quase 40% da população mundial, quase metade do comércio global e mais de 60% da economia mundial. Sete dos 10 principais parceiros comerciais dos EUA são membros da Apec, inclusive a China.5
Por fim, cabe mencionar que, após cinco anos de deterioração nas relações entre a China e os EUA, o mundo aguarda com ansiedade que ambos os países estabilizem suas relações diplomáticas. Nada melhor do que o contato direto e a comunicação frequente no mais alto nível para gerir as diferenças com responsabilidade e garantir que a concorrência não se transforme em conflito. O encontro entre as autoridades de ambos os países durante a reuinião da Apec nos EUA não vai resolver, de imediato, todos os problemas ou divergências que existem entre ambos. Mas poderá dar um passo importante para gerir bem o relacionamento bilateral e estabelecer uma sinergia positiva no cenário global atual de instabilidade e tensões geopolíticas e econômicas.
(*) Economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.