Foi encerrada a Cúpula do G77 mais China, no sábado (16) em Havana, capital de Cuba. O propósito do Grupo, unir países em processo de crescimento e estabilização para que defendam seus interesses na comunidade global, ganhou novo significado num momento em que ficaram mais definidas as diferenças entre os desejos do chamado Ocidente e o assim denominado “Sul Global”, que protagonizam uma clivagem entre nações ricas e imperialistas, e nações exploradas.
Os termos são curiosos e pouco dizem respeito à localização geográfica dos países. Na maioria dos casos os países não atendem à definição óbvia. A Austrália é mais oriental que a China, mas é Ocidente. A mesma China está completamente no Hemisfério Norte, mas é Sul Global. O que importa é que esses termos são fundamentais para se compreender a importância do G77 mais China, grupo em que todos os países integram o bloco do Sul, e cujos debates giram em torno de encontrar saídas para a inviabilidade econômica e a instabilidade política de muitos países do grupo, via de regra em função de interesses imperialistas.
Criado em 1964, por meio da Declaração Conjunta dos 77 Países, emitida na Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, o grupo perdera protagonismo nas últimas décadas, quando seus principais Estados passaram a concentrar-se junto às potências do G7, na expansão G20. Entretanto, este ano o evento ganhou repercussão especial, com momentos marcantes como a crítica do presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva (PT), condenando o embargo a Cuba exercido pelos Estados Unidos e adotado por quase todos os países europeus.
A China esteve representada pelo membro do Comitê Permanente do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), Li Xi, que viajou como emissário do presidente Xi Jinping. Em discurso proferido na assembleia principal do evento, Li disse que “os países em desenvolvimento continuam se fortalecendo, ao mesmo tempo em que a sanção unilateral, o desacoplamento e o corte das cadeias produtivas e de suprimentos por alguns países prejudicam severamente os direitos legítimos e o espaço de progresso dessas economias”. O representante disse que o G77 mais China tem que encontrar formas pacíficas de resolver diferenças e disputas internas ao grupo, para que possam pautar na ONU os seus interesses de conjunto.
Li Xi garantiu aos demais representantes que seu país “espera garantir, junto com os membros do G77, o uso eficiente dos bens públicos, como a Iniciativa Cinturão e Rota, solucionar os problemas e formar juntos uma comunidade com futuro compartilhado para o Sul Global e abrir juntos a nova era para o desenvolvimento comum”.
O evento encerrou com a Declaração de Havana, que chancelou a reivindicação dos 77 países mais a China de que, nos próximos anos, o mundo se esforce pela inclusão das economias periféricas nos benefícios do crescimento mundial, deixando a condição de fornecedoras de artigos básicos e mão de obra barata, para efetivamente participar da produção de tecnologia. Também chamou os países a trabalharem por um espaço digital internacional seguro e livre de monopólios ligados aos países ricos.
“Salientamos a necessidade urgente de uma reforma abrangente da arquitetura financeira internacional e de uma abordagem mais inclusiva e coordenada à governação financeira global, com maior ênfase na cooperação entre países, nomeadamente através do aumento da representação dos países em desenvolvimento nos órgãos globais de decisão e de elaboração de políticas que contribuirá para aumentar as capacidades dos países em desenvolvimento para acessar e desenvolver a ciência, a tecnologia e a inovação.”
“Rejeitamos os monopólios tecnológicos e outras práticas injustas que dificultam o desenvolvimento tecnológico dos países em desenvolvimento. Os Estados que detêm o monopólio e o domínio no ambiente das Tecnologias de Informação e Comunicação, incluindo a internet, não devem utilizar os avanços das Tecnologias de Informação e Comunicação como ferramentas de contenção e supressão do legítimo desenvolvimento econômico e tecnológico de outros Estados. Apelamos à comunidade internacional para que promova um ambiente aberto, justo, inclusivo e não discriminatório para o desenvolvimento científico e tecnológico”.
O nascimento de um futuro melhor, o que os chineses vêm chamando futuro compartilhado e conclamando os demais países a construí-lo, passa pela integração de blocos plurais como o G77 mais China e pela consecução de objetivos como os da Declaração de Havana, a fim de descentralizar a economia global e, por meio de geopolítica despolarizada e distribuída nos mais numerosos pontos de convergência multilateral, possa unificar o Ocidente e o Sul Global de forma mais justa e soberana. Restam urgentes, portanto, a solução para os problemas internos ao grupo, conforme apontado pelo representante Li Xi, para que seja conquistada a liberdade de seus mais oprimidos países, como Cuba e o bloqueio citado pelo presidente Lula.
Por Hélio de Mendonça Rocha, articulista e repórter de política internacional