Os indicadores econômicos da China mais recentes apontam persistentes desafios no processo de recuperação pós-pandemia de Covid-19, uma vez que os dados de comércio exterior e de formação bruta de capital fixo indicam tendência conjuntural declinante. Alguns analistas mais apressados arriscam-se a afirmar que a economia chinesa estaria ingressando numa fase de estagnação. No entanto, sabe-se que as autoridades chinesas estão sempre atentas aos movimentos nos mercados e na economia global e propensas a adotar medidas necessárias que corrijam rumos e alterem a situação por meio de ajustes no arsenal da política econômica e da melhoria no clima geral de negócios.
Com efeito, o conjunto de indicadores de julho de 2023 sugere que a recuperação econômica continua a avançar no sentido desejável de um padrão de alta qualidade, mesmo em face das dificuldades derivadas do demorado ajuste no setor imobiliário chinês, fatores geopolíticos adversos, protecionismo comercial, insuficiência na demanda interna e a necessidade de reforçar os pilares em transição para a retomada do crescimento sustentado. Muitos comentaristas de bancos de investimento deixam-se levar por uma onda de pessimismo tocada pela leitura equivocada e parcial de alguns poucos indicadores de conjuntura que oscilam para cima e para baixo. Esquecem-se de que a China tem um modelo de economia mais resiliente do que outras nações e que seus gestores de política dispõem de meios fiscais, monetários e regulatórios para reverter movimentos que noutros contextos poderiam abalar a estrutura econômica.
Com efeito, uma série de medidas foi tomada para reativar a economia chinesa. Um plano de 31 pontos foi anunciado pelo governo para remover barreiras à entrada e fortalecer os direitos de propriedade intelectual. Outro plano de 20 providências voltadas para expansão do consumo foi posto em prática para incentivar as atividades de lazer e o turismo, assim como 26 outras medidas foram adotadas para dar mais mobilidade ao fluxo de mão de obra rural para as cidades. Ações também foram tomadas para facilitar a entrada de capital estrangeiro (o “Invest in China 2023”). Além disso, o banco central do país (Banco Popular da China) baixou a taxa básica de juros – uma medida concebida para ajudar a revigorar a atividade econômica. Esse conjunto de ações e outras que vierem a ser tomadas atuam no sentido de reforçar a demanda e o consumo das famílias e reanimar a confiança do setor privado chinês.
Apesar dos fatores adversos acima citados, a China ainda registou um crescimento razoável em todos os setores em julho de 2023, mas também foi observada uma desaceleração no crescimento em outros principais indicadores econômicos. Embora os serviços e o consumo tenham continuado a registrar um crescimento considerável, a expansão da produção industrial abrandou ligeiramente a partir de junho e as exportações e os fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE) também se reduziram. Entretanto, o investimento em ativos fixos foi direcionado para setores como aqueles de pesquisa & desenvolvimento (P&D) e de alta tecnologia, cujos impactos positivos não tardarão a serem sentidos.
As empresas chinesas de serviços tiveram um forte desempenho no terceiro trimestre deste ano, de acordo com os dados da pesquisa Índice de gerentes de compras (PMI). O índice de serviços da China voltou a subir em julho de 2023, para 54,1, após ter mostrado queda em junho (53,9), segundo pesquisa da S&P Global com o Caixin Insight Group. A leitura final veio acima das previsões. As leituras acima do nível de 50 indicam que a atividade econômica da China está em território de expansão. A atividade empresarial em todo o setor cresceu fortemente e a recuperação foi apoiada por um aumento acentuado em novos negócios, o que encorajou as empresas a expandir sua folha de pagamento pelo sexto mês consecutivo.
O desempenho do setor de serviços (terciário) é crucial para a economia e o emprego na China. É responsável por 55% do PIB e 48% do emprego. Ele inclui vários segmentos de prestação de serviços como o transporte de pessoas e cargas, telecomunicações, serviços financeiros, cuidados de saúde, comércio, bem como entretenimento e recreação. O setor foi duramente afetado durante a epidemia, especialmente em segmentos como o turismo, restaurantes e o varejo. No entanto, os resultados de PMI oficiais sugerem que a recuperação a partir da reabertura econômica na China retomou o fôlego em julho após dois meses de retração. O fraco cenário global pesou sobre a indústria manufatureira devido à queda nas exportações, mas os serviços continuaram a se beneficiar da retomada dos gastos dos consumidores. No entanto, mesmo com os bons resultados de julho, as empresas de serviços demonstraram menos otimismo ao avaliar as perspectivas de 12 meses para a atividade comercial, com o nível de confiança geral recuando para níveis de 2022. Com relação aos preços, as empresas sinalizaram aumentos mais suaves na evolução de custo dos insumos.
É nesse contexto de retomada do dinamismo no setor de serviços que a China vai realizar em Beijing, de 2 a 6 de setembro de 2023, mais uma edição da Feira Internacional de Serviços Comerciais da China (CIFTIS), a maior exposição em termos do comércio global de serviços e a exposição líder na área do comércio de serviços na China. Com o tema “a abertura traz o desenvolvimento, a cooperação cria um futuro ganha-ganha”, prevê-se que a CIFTIS 2023 contará com 202 eventos variados, incluindo fóruns, negociações e cúpulas. Ao todo, 51 países e 24 organizações internacionais já confirmaram participação. A feira abrangerá uma ampla gama de tópicos, como telecomunicações, serviços de informação, serviços financeiros, serviços de saúde e saneamento e serviços ambientais.
Mais de 70 companhias e instituições reconhecidas mostrarão suas realizações e mais de 2.200 empresas participarão de suas exposições, entre as quais empresas globais da Revista Fortune 500 e empresas líderes do setor. Os expositores exibirão os mais recentes avanços em economia digital, serviços culturais, serviços de turismo, serviços educacionais e serviços médicos, entre outras áreas de serviços. Os participantes terão a oportunidade de explorar possibilidades de cooperação empresarial e manter-se atualizados sobre os últimos progressos no comércio de serviços.
Em suma, apesar de um ambiente econômico interno e externo complexo, o comércio de serviços da China tem mantido o crescimento. Os dados disponíveis mostram que o valor total do comércio de serviços chinês aumentou 12,9% em termos anuais, para quase 6 trilhões de yuans (US$ 828 bilhões) em 2022, mantendo o segundo lugar em nível mundial durante nove anos consecutivos. No primeiro semestre deste ano, o setor continuou a crescer até atingir um valor total de 3,1 trilhões de yuans, marcando um aumento anual de 8,5%. À medida que a China aprofunda a abertura do seu setor de serviços, projeta-se que a escala do comércio de serviços mantenha o crescimento ao longo do ano e que a sua estrutura comercial continue a aprimorar-se. O fato é que o comércio de serviços da China tem registrado uma melhoria na qualidade e na competitividade, com os serviços intensivos em conhecimento tendo representado 43,5% do comércio total de serviços no primeiro semestre de 2023. A realização da CIFTIS 2023 contribuirá para injetar um impulso adicional na economia global.
Por José Nelson Bessa Maia, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.