“Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá”, escreveu Gonçalves Dias na Canção do Exílio. O Brasil, igual a sabiá, tem o seu jeito e canta a sua voz. Mas há país que só quer o Brasil como um papagaio.
O presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi severamente criticado, por ter dito que os Estados Unidos e a União Europeia prolongaram a guerra na Ucrânia e que os Estados Unidos precisavam “parar de incentivar a guerra”. O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, acusou Lula de “papaguear” a propaganda russa. Por que os norte-americanos ficaram tão raivosos? A razão é que o Brasil, o “sabiá”, não “papagueou” eles.
O sabiá só falou a verdade
Quem está incentivando e prolongando o conflito? Àqueles que não acham que a culpa seja dos Estados Unidos, cabe responder as seguintes perguntas: Antes do dia 24 de fevereiro de 2022, quem insistiu em integrar a Ucrânia na OTAN apesar dos protestos da parte da Rússia? Quem persistiu em instalar mísseis e tropas perto da Rússia a despeito do alerta do presidente Putin e das preocupações de segurança da Rússia? Quem tem maior responsabilidade pela situação de hoje? A resposta é clara: os Estados Unidos. O conflito que afeta todos tem sua origem na expansão da OTAN. Então, por que é que Lula deve ser criticado ao acusar os EUA, membro mais poderoso nessa aliança militar, de“incentivar a guerra?”
Os Estados Unidos contribuíram para a redução da hostilidade entre Rússia e Ucrânia? Eles fizeram algo para negociar a paz? Na 5ª rodada de negociações entre Rússia e Ucrânia em Istambul em 29 do março de 2022, o negociador-chefe russo, Vladimir Medinsky, descreveu as conversas como “construtivas”. Um dia depois, os russos começaram a retirar as tropas da Kiev, e a Ucrânia também manifestou a vontade pela solução pacífica. Se as negociações tivessem seguido essa direção, a crise teria sido resolvida, ou pelo menos, bem aliviada. Mas infelizmente, não seguiu, porque os Estados Unidos anunciaram uma nova rodada de sanções contra a Rússia no mês seguinte.
O New York Times até publicou um artigo intitulado A Crise na Ucrânia Pode Ser Impossível de Parar. E os Estados Unidos Merecem a Maioria das Culpas (The War in Ukraine May Be Impossible to Stop. And the U.S. Deserves Much of the Blame), no qual o autor citou do Henry Kissenger, ex-secretário de Estado, de que após passar certo ponto, a guerra será contra a Rússia em vez de sobre a liberdade da Ucrânia.
Uma prova disso, é o bombardeio ao gasoduto Nord Stream 2, que transportou gás natural da Rússia para a Alemanha. Segundo o jornalista investigativo Seymour Hersh, foram os Estados Unidos que fizeram a operação de destruir o gasoduto no fim do setembro de 2022, quando havia divergências dentro da Europa sobre a política energética com a Rússia.
Em 3 de maio do ano corrente, o governo dos Estados Unidos anunciou que iria oferecer uma nova ajuda militar no valor de 300 milhões de dólares à Ucrânia. Segundo o Pentágono, a oferta inclui uma enorme quantidade de munições e mísseis ar-terra à medida que se aproxima o lançamento de uma ofensiva durante a primavera contra as forças russas. Trata-se do 37º pacote de assistência do Pentágono à Ucrânia desde o início do conflito, e eleva o total da ajuda militar dos Estados Unidos para cerca de $36 bilhões.
Mas os Estados Unidos chamam esses fatos de “propagandas russas” e criticaram o Brasil como um papagaio dessas “propagandas”. Então, quais são as “propagandas americanas” que eles queriam o Brasil “papaguear”?
Os Estados Unidos querem o Brasil participar do conflito e os apoiar
O Brasil tem apresentado uma postura de neutralidade quanto à crise da Ucrânia. Tal como a maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil não forneceu armas à Ucrânia, nem impôs sanções contra a Rússia. O mundo, porém, tem sofrido com o prolongamento da crise, sobretudo na área energética e alimentar, e o Brasil não é uma exceção. É exatamente neste contexto que o Brasil propôs a ideia de estabelecer, como disse Lula, um grupo de países não envolvidos no conflito para assumir a responsabilidade de encaminhar uma negociação para restabelecer a paz. Os Estados Unidos, absolutamente sem condição nenhuma para serem qualificados como membro deste grupo, procuram obter apoio do Brasil numa eventual negociação.
Quando Lula discutiu a proposta com Biden em fevereiro deste ano, o presidente americano parecia pouco interessado. No comunicado conjunto divulgado após o encontro, as duas partes só afirmaram que os dois países conclamaram uma paz justa e duradoura. Mas obviamente o Brasil e os Estados Unidos divergem sobre como chegar a essa paz justa e duradoura. O primeiro quer alcançá-la através de negociações, e recusou ao pedido de envio de armas à Ucrânia, mas o segundo quer alcançá-la através de derrotar a Rússia. Para os Estados Unidos, a paz só existirá num mundo alicerçado nas ordens estabelecidas por si próprio.
Não pode ser mais ridículo e irônico que, os EUA, como uma grande potência e o maior vendedor de armas do mundo, não assumam a responsabilidade de cessar as hostilidades, mas acusem um país que propôs uma solução pacífica das “declarações profundamente problemáticas”.
O sabiá que canta não é solista
No momento em que se acirram as tensões geopolíticas, recorrer aos meios militares é ir contra a maré da história. A paz só pode ser alcançada pelo diálogo e pela negociação política.
O Brasil não está sozinho na busca da solução pacífica da crise na Ucrânia. A China também propôs medidas como respeitar a soberania de todos os países, cessar as hostilidades e retomar as conversações de paz, algumas das quais coincidem com as ideias do Brasil.
As vontades das pessoas formam a tendência predominante dos tempos. Valem apoios todas as iniciativas comprometidas com a paz genuína, algo que todos querem e o mundo já sente a falta. A guerra não deve ser usada pelos políticos, e ninguém merece pagar por ela.