Por Rui Lourido, Historiador, presidente da União de Associações de Cooperação e Amizade Portugal-China e presidente do Observatório da China
O chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Ho Iat Seng, realiza uma visita a Portugal, entre 18 e 22 de abril. O facto de ser a sua 1ª visita ao estrangeiro, pós-pandemia, e de na sua agenda constar “a importância da língua e da cultura portuguesa como fator diferenciador é uma vantagem competitiva de Macau em relação a outras regiões da China”, assume uma relevância especial para a comunidade de Língua Portuguesa de Macau. A visita representa mais um passo no aprofundamento das relações não só entre Macau e Portugal, mas também com a China em geral, pelo que será recebido pelas principais autoridades portuguesas, Presidente da República, Primeiro-ministro, Presidente da Assembleia da República e Ministro dos Negócios Estrangeiros. A comitiva integra 50 empresários de Macau e têm agendadas várias visitas a parceiros portugueses, com destaque para os setores alimentar e farmacêutico. Com o apoio do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, a comitiva tem visitas agendadas para Lisboa e Porto. Para dar maior visibilidade à visita, a Direção dos Serviços de Macau (DST) apresenta, diariamente, um espetáculo de projeção de imagens evocativas de Macau, no Terreiro do Paço, entre 15 e 22 de abril.
Macau é uma cidade fundamental no relacionamento multisecular da China com o Ocidente, com a Europa e com Portugal em particular. O respeito do governo central da China pelo processo de transição de Um País, Dois Sistemas tem permitido à RAEM modernizar-se e desenvolver-se de forma extraordinariamente rápida. A reintegração da RAEM na estrutura administrativa da China respeita o sistema jurídico e a autonomia política, com governo próprio, e o respeito pela diversidade multicultural, multiétnica e linguística da sua população, com o reconhecimento do português como Língua Oficial da região por pelo menos 50 anos.
O governo da RAEM tem preservado e dignificado o património histórico material e imaterial de origem portuguesa. A RAEM tem incentivado o intercâmbio com os países que se expressam em língua portuguesa. São exemplo disso o apoio à organização de encontros artísticos literários e científicos, e o apoio financeiro à edição em língua portuguesa de vários jornais de Macau, bem como uma Biblioteca Digital com todas as obras sobre Macau e a parte continental da China entre os séculos 16 ao 19, iniciativa do Observatório da China (disponível para leitura gratuita na Biblioteca Nacional de Portugal: http://purl.pt/26918/1/PT/index.html), que assim preserva para o futuro uma parte importante da História e Cultura de Macau.
No âmbito da política de Um País, Dois Sistemas, a RAEM foi convidada a integrar o mais promissor e ambicioso projeto do governo central da China, de expansão económica e de desenvolvimento social do sul da China – a Grande Área da Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, que congrega a Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) e outras nove cidades da província de Guangdong, em especial no desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau, em Hengqin, da cidade de Zhuhai. Assim, pela primeira vez na história de Macau, a RAEM ultrapassa as limitações decorrentes da reduzida dimensão do seu território, através de várias ações estruturais, nomeadamente, através da construção de um parque habitacional, para dar melhores condições de habitação aos jovens e restante população local. A Grande Área da Baía Guangdong-Hong Kong-Macau é uma das áreas para a qual Macau pretende atrair investimento português e europeu para indústrias de valor acrescentado e de alto desempenho tecnológico e financeiro. Hengqin tem permitido a Macau a expansão do seu sistema educativo, onde se destaca a formação profissional e a Universidade de Macau. Esta estratégia global da RAEM cria as condições objetivas favoráveis para Macau escapar à dependência da indústria do Jogo/Turismo e melhorar as condições para atrair e interligar o extenso mercado interior do Sul da China com os mercados internacionais e, em especial, o dos países de língua portuguesa, sendo este um dos grandes objetivos desta visita de Ho Iat Seng a Portugal.
A China tem vindo a valorizar as suas relações políticas e económicas com a globalidade dos países de língua portuguesa, de tal forma que em 2003 estabeleceu em Macau o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, mais conhecido por Fórum Macau. Através, nomeadamente, do Fórum Macau, a China aprofundará a colaboração com os países de língua portuguesa em setores da inteligência artificial, como conectividade, energia e infraestruturas, desenvolvimento industrial, proteção ambiental e na construção de uma comunidade global de saúde para todos. O próprio 20º Congresso do Partido Comunista da China (PCCh) consagrou o apoio ao desenvolvimento atual de Macau e Hong Kong e respetivas estratégias de maior integração ao desenvolvimento do país. No caso específico de Macau, a China reafirmou o seu compromisso de incremento da cooperação com o Fórum Macau, envolvendo os países africanos e o Brasil. O Brasil reforçou as suas relações políticas e económicas com a China e com os BRICS, com os acordos assinados entre os presidentes Lula e Xi, durante a sua visita à China (12-15 de abril 2023).
Com os países de língua portuguesa, segundo os dados do Ministério do Comércio da China, as trocas comerciais de 2022 foram de US$214,829 mil milhões (US$214,829 bilhões), registando um aumento homólogo de 6.27%. De acordo com dados divulgados no site da Agência Portuguesa de Estatística, o comércio bilateral de bens entre a China e Portugal de janeiro a junho de 2022 foi de 2,793 mil milhões de euros (2,793 bilhões de euros), um aumento homólogo de 39,37%.
A visita a Portugal do chefe do executivo da RAEM é um importante contributo para o aprofundamento da importante relação de Portugal com Macau e a parte continental da China. Por outro lado, Portugal e a União Europeia necessitam de reafirmar a autonomia dos seus interesses estratégicos, tal como reafirmaram Scholz e Macron, recusando o clima da Guerra Fria e de clivagem entre blocos geopolíticos, neste mundo multipolar, para poderem contribuir determinantemente para a paz da comunidade de futuro compartilhado da humanidade.