Após quatro anos da ausência do Brasil como protagonista do sistema internacional, o país volta à cena com a recente eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De fato, um estrago foi feito na imagem do Brasil no mundo pelo governo anterior e isso exigirá um esforço do governo recém-empossado para a imediata correção de rumos, a retomada de uma agenda construtiva nos temas da governança global e a reiteração dos compromissos do país com a estabilidade política, a preservação do meio ambiente, a busca da cooperação e segurança internacionais e o respeito e não ingerência em assuntos internos de outras nações. Tarefa difícil após anos de incompetência e descaso.
O presidente Lula, logo em seu discurso após a eleição, já sinalizou a direção que seu governo adotará no resgate da projeção brasileira no cenário internacional e da reinserção como player ativo e confiável quer em âmbito multilateral, quer no campo regional (a América Latina e o Mercosul), seja no entorno do Atlântico Sul (a África) ou nas relações bilaterais com grandes potências econômicas como a China, os EUA e a União Europeia. Lula ressaltou que buscará condições favoráveis no exterior para a retomada do crescimento do país, com inclusão social e sustentabilidade ambiental.
A nova política externa brasileira se apoia em duas estratégias num esforço para reconstruir pontes e reabrir canais de diálogo. A primeira é a volta da chamada diplomacia presidencial, com vistas a reinserir o Brasil nos grandes debates da governança global e poder influenciar decisões. Para isso, já estariam programadas uma série de viagens internacionais de Lula que devem ocorrer ainda no primeiro quadrimestre de 2023. Os primeiros países visitados serão a Argentina, a China, os EUA e Portugal. A segunda estratégia é colocar o meio ambiente e as mudanças climáticas no centro da política externa brasileira nos próximos quatro anos. Um primeiro passo já foi tomado com o restabelecimento do Fundo Amazônia, que recebe aportes financeiros de nações europeias interessadas em investir na preservação da floresta amazônica.
Dada a posição da China como maior parceiro comercial, grande investidor e financiador do desenvolvimento, a agenda bilateral ganhará impulso. A propósito, o presidente Lula foi o grande impulsionador dessa relação em seus dois mandatos anteriores, tendo visitado a China várias vezes (2004, 2008 e 2009) e atuado em conjunto com o ex-presidente chinês Hu Jintao (que visitou o Brasil em 2004) na formação do Brics. Foi na sua gestão que se criou a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) em 2004.
Tal é o reconhecimento que, logo após a vitória de Lula nas eleições, o presidente da China, Xi Jinping, enviou uma mensagem ao presidente eleito afirmando sua disposição de trabalhar em conjunto para elevar a parceria estratégica entre os dois países, ressaltando os “amplos interesses e responsabilidades comuns compartilhados por ambos os países”. Uma evidência da importância da volta de Lula para a China foi a presença na sua cerimônia de posse no dia 1º de janeiro de 2023 do vice-presidente chinês, Wang Qishan, como enviado especial do presidente Xi Jinping, junto com representantes de mais de 60 países e organizações internacionais.
A dinâmica das relações entre a China e o Brasil a partir de agora deve ser mais ambiciosa do que tem sido. Os dois países têm um potencial muito mais amplo de oportunidades de cooperação mutuamente vantajosas do que o explorado até o momento. Isso significa a necessidade de avançar além da pauta atual de comércio bilateral e abrir novas frentes de exportação e investimento, de modo a permitir ampliar as vendas de produtos brasileiros não tradicionais no mercado chinês e ampliar o escopo de investimento de empresas chinesas no Brasil nos segmentos de infraestrutura, logística de transportes, proteção ambiental e de economia digital. Os mecanismos diplomáticos existentes, como a Cosban, devem ser acionados com mais agilidade e frequência para remover obstáculos, facilitar negócios e reforçar a cooperação no campo técnico e tecnológico.
No âmbito do Brics é de esperar uma participação mais propositiva do Brasil no sentido de aumentar o intercâmbio entre todos os membros do grupamento e articular melhor posições e diretrizes em outros fóruns internacionais como o G-20, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Basic (área ambiental). Não faz sentido os parceiros do Brics assumirem posturas contraditórias em outros mecanismos de governança multilateral. As discussões precisam ser mais direcionadas no rumo do reforço do papel do Brics como grupo relevante e inovador no contexto global.
Vários países da América do Sul já firmaram acordos com a China para aderir à Iniciativa “Cinturão e Rota” (the Belt and Road Initiative-BRI). O Brasil teria muito a ganhar com sua adesão à BRI. Essa adesão traria benefícios ao Brasil na forma de mais recursos e tecnologias para a modernização de sua infraestrutura. Mas, ao mesmo tempo, contribuiria para promover a integração regional na América do Sul, uma vez que a própria lógica da BRI requer projetos inseridos nos sistemas nacionais de planejamento ou em suas estratégias de desenvolvimento e sua interligação com países vizinhos. Essa perspectiva de integração precisa estar contemplada nas negociações que deverão ocorrer entre a China e seus parceiros sul-americanos. A esperada volta do Brasil à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) poderá contribuir para dar mais densidade ao mecanismo existente de diálogo político e cooperação com a China (Fórum China-Celac).
Apesar das promissoras oportunidades que se abrem com a volta do Brasil ao Fórum China-Celac, existem desafios que a China e os países latino-americanos precisam enfrentar para aprofundar seus laços econômicos. Em primeiro lugar, a cooperação precisa levar em conta os impactos ambientais sobre o crescimento econômico. Em segundo, as empresas chinesas precisam se precaver contra o risco de instabilidade política em alguns países latino-americanos, porque muitos estão enfrentando alta inflação, elevação de taxas de juros e queda no padrão de renda de suas populações. As recessões econômicas na região também podem levar à agitação social e crises políticas. E, terceiro, a China e os países latino-americanos precisam fixar suas prioridades de desenvolvimento e coordenar suas políticas para que suas parcerias possam atender melhor aos interesses de longo prazo de ambos os lados.
Por fim, para concluir, cabe destacar que o Brasil pretende rediscutir seu comércio com a China no sentido de aumentar a exportação de produtos manufaturados de maior valor agregado para o mercado chinês e, assim, reverter o processo de desindustrialização brasileira das últimas três décadas. Essas preocupações ao invés de levarem a conflitos podem muito bem ser resolvidas por meio de uma cooperação em alto nível e levar como resultado a relações mais intensas de comércio e de investimentos recíprocos, contribuindo positivamente para o desenvolvimento de ambos os países.
José Nelson Bessa Maia, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.